quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Festas

De longe, bem de longe, assisto ao frenesi natalino e aos preparativos para a comilança e o fuzuê do réveillon. Com esforço, até consigo ver algum sentido no ritual destas celebrações, mas meu dia predileto ainda é o 2 de janeiro. Dia em que o gesto de presentear e a alegria deixam (em tese, ao menos) de ser compulsórios, em que se retoma o preparo das refeições simples, porém saborosas. Nada melhor do que voltar à rotina diária, num trabalho em que os limites entre obrigação, estudo e lazer frequentemente se confundem.

O blog entra em férias. Volto no fim de janeiro. Até.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Mistérios (2)



A claustrofobia que acomete os gatos é genética ou produto do meio?

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Essa é pra tocar no rádio (4)

Outro quilombo, de Renato Braz, Atração Fonográfica.

Arrebatador. É o termo que melhor define este álbum de Renato Braz. Vou ao dicionário me certificar do significado da palavra, e encontro lá: “que tem o poder de extasiar, de encantar, que excita ou entusiasma”. Na medida: na etimologia de entusiasmar, está en + theos, ou seja, preenchido por Deus.

Na primeira faixa (que dá nome ao álbum), de Mário Gil e Paulo César Pinheiro, já acontece algo de inexplicável. A experiência me remete ao que senti ao caminhar pela Cidade Velha, em Jerusalém. Sensação que palavra nenhuma tem a capacidade de traduzir.

A faixa 7 (omito o nome e já explico o porquê), bem no meio do disco, oferece uma curiosa experiência ao ouvinte. Se você ler o nome dela antes de ouvi-la, e sobretudo se já teve ou tem alguma forma de engajamento político, muito provavelmente virá à tona, de imediato, uma série de ideias pré-concebidas sobre o que esta música representa, os ideais que defende etc, que acabarão comprometendo a fruição. Se o cedê lhe chegar às mãos, faça a experiência: ouça, simplesmente, o límpido vocalise de Renato, que dialoga com a belíssima linha melódica do clarinete de Nailor Azevedo. Exemplo claro de que a música transcende a política, embora possa funcionar como suporte a essa, conforme o momento histórico (Vandré, Chico Buarque da primeira fase etc).

O clímax do disco é Segue o teu destino, poema de Ricardo Reis (Fernando Pessoa), musicado por Sueli Costa. Aqui, um contraponto radical (e necessário) à quase totalidade das canções românticas de todos os tempos, baseadas em versos como “minha vida não tem sentido sem você”, “preciso de você como a flor precisa de água” e variações em torno disso. Lembrança de que nascemos e morremos sozinhos, e a força maior deriva justamente daí: de nos percebermos como seres integrais. Despertou interesse? Vá ao grande oráculo moderno, o Google; com dois cliques você encontra a letra.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Rá-tim-bum



O blog comemora hoje 4 meses de vida. Uma proeza, para quem achava que a coisa não ia longe. Para celebrar, o som de uma Big Band de primeira.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Mistérios

Por que, nas frases dos repórteres de telejornal (independentemente do canal), as tônicas mudam tanto de lugar (repare, por exemplo, na profusão de proparoxítonas)? Uma neo-prosódia?

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Um diário

Diário do Diabo, de Nicholas D. Satan, transcrito pelo Professor M. J. Weeks (tradução de Paulo Schmidt, Geração Editorial). Fora da seção de livros de arte, há tempos não me deparava com um livro graficamente (cedo ao adjetivo óbvio) tentador. Borda dourada, imitando as bíblias, o charmoso fio vermelho como marcador de páginas, folhas amareladas simulando material antigo. Ótimas sacadas do tradutor, ainda que o revisor tenha cochilado aqui ou acolá, deixando no caminho as marcas da sintaxe do inglês.

Um a um, vão sendo mencionados os personagens históricos que tiveram uma mãozinha do Tinhoso: Pilatos, Nero, Átila, Gengis Khan, Torquemada, Marquês de Sade, Al Capone, Hitler, McCarthy, Reagan, Thatcher, Sadam Hussein.

E cadê Osama? É quase inacreditável, mas a referência ao vilão número 1 dos EUA está perdida num apontamento de outubro de 1996 e, num diário repleto de datas, o 11/9/2001 é simplesmente ignorado. Censura? Autocensura? Medo de retaliações da comunidade islâmica?

Fato também curioso, na edição brasileira: na quarta capa, no selo onde está o código de barras, o logo da editora e, acima dele, a inscrição: “Humor”. Sintomático, por escancarar o semianalfabetismo avassalador que nos rodeia. É isso que faz com que João Ubaldo Ribeiro, por exemplo, tenha de avisar, em sua coluna no jornal, o momento em que usará a ironia.

Diário é um livro que se lê com prazer. Não me arrancou uma mísera gargalhada, mas tem lá seus momentos de humor inteligente. Um único cuidado a ser tomado: ao ler no ônibus, não escancarar a capa ao olhar vizinho. Os fundamentalistas estão por toda a parte.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O caos rural

Estava prestes a falar de outras amenidades, mas o assunto se impõe. Rodovia alagada, poste que cai no meio da estrada de terra bloqueando o caminho e trazendo consigo o apagão. É a Eletropaulo estimulando o romantismo dos casais, todos à luz de vela.

A melhor das cenas, disparado, foi quando, diante do poste que lhe atravancava a rotina, o rapaz vai ao carro e volta com um macaco (a ferramenta, não o símio). Coloca-o sob o poste e começa a girar a manivela. Teve até torcida para o moço, mas não rolou.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Prêmio para tradutores iniciantes

Estão abertas até dia 31 de janeiro as inscrições para o Prêmio Novos Tradutores 2010, promovido pela Universidade Gama Filho e o Instituto de Línguas Miguel de Cervantes. A premiação é voltada a alunos formandos em Letras e graduados que tenham proficiência em línguas inglesa, espanhola e italiana, e que não tenham nenhuma tradução publicada. A melhor tradução de cada idioma, escolhida por um júri, receberá como prêmio uma bolsa de estudos na Espanha, nos Estados Unidos ou Itália. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site www.ugfpos.com.br. Mais informações pelos tels. (21) 3442-0754 e 3442-0756.

Ao meu lado, o cético lê o anúncio e franze as sobrancelhas: “Mas não faz sentido, isso. Quem é que faz uma tradução sem que uma editora tenha encomendado?” Você está falando com o próprio, respondi. Aconteceu há alguns anos: me apaixonei por um livro, contatei seu autor (na Inglaterra) pra pedir o seu ok, traduzi, e fui à caça de um editor interessado. O resultado de meu longo périplo (que teve final feliz), contarei qualquer dia desses. Tenho certeza de que, em alguma parte do patropi, tem mais gente que fez maluquice semelhante. Divulgo, portanto, acreditando que tem tradutor de talento por aí, e ainda desconhecido, seja em faculdades de Letras ou onde for. Repassem a notícia, se puderem. Pelas regras do jogo, este prêmio não é para o meu bico, mas torço para que sirva de estímulo para outros prêmios e concursos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Em obras

Mudanças radicais na casa. Passou um design de interiores por aqui, como veem. Bem, para começar, cansei do chavão que dava nome ao blog, ainda que ele “abra porta grande”. Nada fácil, batizar rebentos.

Foi-se o nome, mas fica em seu lugar uma imagem que, contrariando a afirmação de Comandante Inácio, tem sim sua eloquência.

Aos poucos, o designer (eu mesmo, aliás) vai dando outros retoques. Dia desses, a estreia da musiquinha de fundo (com a gentil assessoria técnica da Beatriz Antunes, valeu Bia!). Após uma peleja que nem vos conto, finalmente levei imagens ao ar (coisa que qualquer adolescente faz com um pé nas costas). Deu na veneta, então, listar os blogs prediletos, eliminando os links do lado direito (estava parecendo trabalho de eletricista amador, que deixa toda a fiação exposta). Ô, troço confuso. Mas, como já disse alguém, Wim Wenders e aprendenders.

Bem-vindos, portanto. Temos canjebrina, vinho, brejas...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Jogo dos erros






1. Pela lei antifumo, com piteira pode, é isso?
2. Livro no colo, só nas bandas de cá. Nunca antes na história deste país...

Essa é pra tocar no rádio (3)

Die Motetten / The Motets, de Johann Sebastian Bach. CD duplo, com o Gächinger Kantorei Stuttgart e o Bach-Collegium Stuttgart. Regência de Helmuth Rilling.

Dez motetos de Bach. No moteto BWW 225, Singet dem Hernn ein neues Lied [Cantai ao Senhor um canto novo], dois coros dialogam. Oito linhas melódicas formam uma massa sonora impressionante.

Há 23 anos, tive a bênção de poder cantar essa peça, regido por Helena Starzynski, no Coralusp. Coloco-a para tocar quando quero sentir mais perto a presença de Deus.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Jean Charles

Aparentemente, em se tratando de cinema, quanto menor o conhecimento prévio sobre a história a ser contada, melhor. Só depois de ter assistido a Jean Charles, soube que ela continha vários elementos de ficção, que o diretor Henrique Goldman revelou ter acrescentado à história real. Admirável, a sobriedade com que o filme é conduzido. Nada de efeitos mirabolantes, nenhuma afetação da parte do elenco (composto também de não atores), extrema discrição na música.

Facílimo, aliás, errar a mão na trilha sonora. Impressiona a quantidade de filmes que tem escorregado nesse aspecto – nada mais desagradável que a trilha que tenta moldar as emoções da plateia, no estilo das reportagens “emotivas” do Fantástico, com closes no rosto do entrevistado e violinos ao fundo. Parecem apostar no fato de que o espectador está se lixando para o que ouve (como acontece numa infinidade de lojas, restaurantes e espaços públicos, em toda parte). Uma aposta na audição embotada.

Numa época de celebridades, em que é comum a estética do filme ganhar mais importância do que a história propriamente dita (um olho na câmera, outro na possível indicação ao Oscar), filmes como Jean Charles são um verdadeiro bálsamo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

1, 2, 3... testando... som

Lépido

Com minha conexão atual, quando tenho, por exemplo, de enviar anexos a um email, o normal é eu clicar nos comandos e, então, ligar a bomba do poço, limpar o bebedouro dos beija-flores, cortar a grama de metade do terreno e ainda passar um café. Ao voltar, o micro está prestes a terminar a tarefa.

Ao postar da metrópole, portanto, a velocidade de banda larga dá quase vertigem.

Tudo uma questão de encontrar o modus vivendi. Lá, com o cágado (proparoxítona, por gentileza). Aqui, com a lebre.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

De chácaras, sítios e poços

Por todo lado, cidade ou campo, cartazes anunciando venda de chácaras e sítios. Volta e meia um deles se gaba em letras garrafais: com escritura. Sugestão de que terreno grilado, por estes lados, deve ser como chuchu na serra. O poço valoriza, e muito, o terreno. Sobretudo se for, como alardeia um dos anúncios, cartesiano. Perfuro, logo existo.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Rituais

O domingo começa com a expectativa: ida a Sampa, levando meu filhote de volta. A escolha de um livro que não pese muito na mochila (é só para a ida). Dia em que compro o jornalão reservado dois dias antes. Até pensei em assinar, é leitura que me aproxima do burburinho da urbe, que também me agrada. Os poréns: a) vai saber se o motoboy chega até aqui; b) ler online, sendo essa a única opção – conforto zero; c) elimino o melhor de tudo: a expectativa.

Corta para um flashback. Issy-les-Moulineaux, banlieue parisiense, meados dos anos 90. Meus contatos com o Brasil eram por carta. A escolha das melhores canetas, o deslizar delas sobre o bloco, a caligrafia que respondia aos humores: se escrevia a contra-gosto, eram inevitáveis os garranchos. Idas frequentes ao correio. E, melhor de tudo, o ritual diário de ir à boulangerie e topar com a moça dos correios no saguão do prédio. Correspondência trazida de bicicleta. A ansiedade para ver se chegara algo, o quase fetiche de tocar nos envelopes (grossos, como se escrevia, na época) vindos do patropi. O café da manhã tomado com notícias daqui. Via embratel, ficava sabendo quando determinada carta foi postada, e daí os cálculos mentais.

Rituais que o email eliminou. Agora, tudo é rápido. O que mais é entregue pelo carteiro das grandes cidades, além das contas e do marketing-entulho das empresas? O que se faz nas filas de correio, além do pagamento da Telesena?

Ficarei sem a assinatura. Abro o jornalão ainda no ônibus, onde ninguém mais lê. 40, 50 ou mais almas que nunca se alimentam de leitura. Porque, nesse percurso, chacoalha demais (não mais que o normal)? Azia coletiva? Chego, e banho tomado, retomo: leitura que prossegue (é o dia em que o jornal tem sustança) ao lado da Mulher, felino em sua barriga, grilos ao fundo e meia-luz.

Rituais que dão sabor à vida no campo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Leitura compulsória

“Acho que a literatura não tem uma função importante na sociedade. Por outro lado acho que a literatura sempre foi e é e continuará a ser minoritária, para poucos. E acho que a literatura tem que ser opcional. Há muitos colegas meus pregando a obrigatoriedade da literatura. Fazer os jovens lerem. Não gosto disso. Na nossa sociedade tudo vai se tornando aos poucos obrigatório, deixemos a literatura ser uma atividade optativa. Leia quem quiser. Quem quiser ler terá muita felicidade na vida, mas não querendo ler também se pode ser muito feliz. Não sou um evangelista da leitura. Agora isso está na moda, promover a leitura. Há até fundações que se dedicam a isso. Suspeito que todos os que fazem tal trabalho, e ganham um bom dinheiro ao fazê-lo, nunca lêem. Nós que lemos não somos tão inclinados a promover a leitura. Talvez por já termos aprendido que é a atividade mais livre que alguém pode exercer”.

Do escritor argentino César Aira (via site Todoprosa).

Já trabalhei para “evangelistas” como estes e tropeço com eles há alguns anos, em toda parte. Daí meu endosso (quase) completo à declaração acima.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dois livros

Confesso que sempre vi um quê de afetação no comentário: “Não conseguia parar de ler esse livro, varei a noite”, coisa e tal. Até que aconteceu comigo, nos últimos dias. E em dose dupla.

Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, de Ana Paula Maia (Record). Mais de uma vez ouvi dizer que aquilo é Tarantino no papel. Ignorei, assim como não leio resenha antes de ir ao cinema. Em duas novelas, o retrato de subempregos que, aos olhos da classe média/alta, pertencem unicamente ao universo da escória. Relatos que trazem um enorme incômodo ao leitor, que se vê constantemente espelhado ali. Mas a crueza da violência das duas histórias incomoda menos que a exposição, a cada cena, da miséria que nos cerca e invade. Miséria não só material, mas também moral. Fazia um bom tempo que eu não era tomado por essa mistura de reações. Riso, indignação, empatia, tudo junto.

Amanhã, numa boa, de Faïza Guène (tradução de Luciana Persice Nogueira, Nova Fronteira). Doria, de 15 anos, mora com a mãe num subúrbio parisiense. Seu pai abandonara a família, voltando para sua terra natal, o Marrocos. Em tom cáustico, narra suas conversas com a psicóloga, com a assistente social, a relação com o amigo traficante que acaba preso. Vêm à tona os problemas de integração na sociedade francesa. Permeando toda a narrativa, a inconformidade de Doria com a hipocrisia e artificialidade nas relações sociais. Rebeldia que é também expressada na linguagem, que não poupa ninguém. Talvez nos perguntemos onde estão os adolescentes indignados e revoltados, ao nosso redor. Se estão, não demonstram. Ou então represam estes sentimentos até o dia em que surge uma Geisy, lhes dando de bandeja os melhores pretextos para extravasar o ódio.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

HQ e Woody Allen

1. Uma pequenina mudança em minha identificação. Necessária, ainda que tardia. Achei que a simples diferença, entre o Z dele e o meu esse, daria conta do recado. Mas não. Um desavisado pode cair aqui de paraquedas, achando que é o blog do cartunista e desenhista, Luiz Gê. Embora ele não faça parte de meu panteão particular (que inclui Spacca, Negreiros, Fernando Gonzales, Laerte e Angeli), teve também enorme importância em minha formação de adolescente fissurado em HQ, anos 80. A experiência de ouvir Tubarões Voadores, de Arrigo, lendo a história desenhada por ele (em tempos de vinil, ou seja, não era esse microencarte que temos hoje com os CDs), foi impactante. Lembro nitidamente, também, de uma história sobre a Avenida Paulista, num livro de edição especial. O traço do cara é de babar.

2. É em momentos como esse que me pergunto por que não moro mais em Sampa. Quarenta e um filmes de Woody Allen na telona, a partir de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil. Depois de ter lido o belíssimo Conversations with Woody Allen, de Eric Lax, a vontade é de assistir um por um, para depois saborear novamente o livro.

Fato é que a frustração demora uns... 30 segundos, se muito. Considero tudo o mais que envolve minha opção pelo campo, e rapidinho sossego o facho.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Eufemismos

Os anglo-saxões têm mesmo problema com certas palavras. Não se fala em doença (disease; illness), mas em condition. Problema? Não, lá as pessoas têm uma issue. O nome do Criador há tempos virou Gosh. O do nazareno, Geez.

Nas bandas de lá, sempre se está a um passo da ofensa. Portanto, cuidado. Ugly? Nem pensar, prefira cosmetically different. Tall virou vertically inconvenienced.

Tampouco os classificados de emprego escapam. Ontem, no jornal, a Qatar Airways procurava comissários de bordo (que, com o tempo, passaram de steward(ess) para flight attendant e agora, como se vê no anúncio, cabin crew).

Requisitos para o cargo: entre outros, mininum arm reach of 212 cms on tip toes.

“Alcance mínimo do braço de 212 cms (pelo visto, metro também virou palavra tabu) da ponta dos pés”. Height (altura), a nova vítima. Talvez seja uma forma de inclusão: dar oportunidades para os baixinhos de braços longos.

A continuarmos nessa toada, e a seguirmos tais exemplos, não demorará para surgir uma nova tradução do clássico de Hemingway: O Idoso e o Mar.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Linguagem publicitária (3)

Sala de espera. Começo a fuçar revistas. Apanho uma dentre elas, voltada ao consumidor (pigarro) moderno. Tenho mania de ler o expediente e as primeiras páginas de qualquer publicação, para saber quem editou, quem traduziu, quem revisou etc. Volta e meia trombo com nomes familiares. Estilo moderno é isso: repare só nos cargos do staff da revista.

Gerente de Evangelização Digital
Criadores de Valor Platinum
Criadores de Valor Gold
Apóstolos do Cliente

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Pai Nosso em tempos modernos

(A velocidade é de cruzeiro. Escrevo da lanhouse. Na roça, temos o modem-charrete, hoje. Aproveito, portanto, e adianto o post de amanhã).

Estive com uma tia minha, dia desses. Acaba de completar 94 anos e passa seus dias e noites rezando. Eu fazia a sesta no mesmo aposento que ela quando... ligo as antenas, prestando atenção às orações. Desfilou um enorme repertório, até chegar ao Pai Nosso. Percebi, então, que ela orava em sua versão de outrora:

“Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos os nossos devedores...”

Isso no lugar de “... como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.

Quando exatamente terá ocorrido a alteração, terá coincidido com a criação do SPC e das listas de inadimplentes? Terá acompanhado o aumento de influência do FMI pelo mundo afora?

Com tato

Um de meus três leitores (33% do leitorado, não é pouca coisa) acaba de me avisar que meu contato não aparecia na página do blog. O que tornava inútil, portanto, a observação que fiz dias atrás, no post em que fechei a caixa de comentários. Ops.

Taí, reparada a falha. Vide seção "Quem sou eu".

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Uma celebração

Ao reencontro de Claude e Nego Dito.

Tristes trópicos
Itamar Assumpção e Ricardo Guará

O trópico tropica,
Emaranhado no trambique.
A treta frutifica
E tritura todo pique

A trapaça trina e troa,
E extrapola cada dique
O tratado é intrincado
Destratado é truque chique.

O grito atravancado
Tranca até que petrifique.
Tristes gregos e troianos,
Desbragado piquenique.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Os indomáveis e os furos

O filme Os indomáveis, remake do faroeste Galante e sanguinário, me fez lembrar certos textos que me caem no colo, para revisão. Começo a assistir: aparece o primeiro furo de roteiro, então o segundo, e logo mais um. Aqui, a lerdeza dos antagonistas (ok, concedo: tudo em nome do herói) é tamanha, que deixam no chinelo os que caçam Indiana Jones. Sequências que desafiam a verossimilhança e insultam a inteligência do espectador.

A analogia com os textos: há aqueles que escrevem matérias, artigos etc de bate-pronto e já mandam para a publicação. Certamente não releram. Me pergunto se o diretor assistiu à versão final do filme.

E não tem Russell Crowe que dê jeito numa coisa dessas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Por onde andará...

...Stephen Fry? Fagner? Não. O paradeiro dos dois já deve ter sido descoberto por Zeca Baleiro e pela mídia, respectivamente. O que me pergunto é por onde anda Ruy Goiaba, que durante sete anos nos deliciou com seus posts. Uma perdição, o blog: se estiver à deriva na rede, o internauta surfa ali horas e horas a fio.

O Pura Goiaba era um dos raros endereços da blogosfera no qual a caixa de comentários ia além dos habituais afagos ao ego do blogueiro. E além dos apelos desesperados de visibilidade, do estilo “Dá uma passadinha no meu blog e deixa um comentário?”. Encontrei intervenções saborosas naquele espaço.

Uma das goiabices impagáveis: o conto O homem que sabia Djavanês.

“Não existe a figura de ex-blogueiro”, já disse alguém. Oxalá.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O colapso dos roceiros (*)

Desde que foi privatizada, a companhia telefônica de nosso estado tem feito todos os esforços para oferecer nada mais do que o melhor aos seus clientes. Prova disso foi o dia em que enviou um técnico à minha ex-casa em Sampa: mal chegou, perguntou se eu não tinha um alicate e uma chave de fenda.

E mostrou, dia desses, que sua meta é mesmo a excelência, a superação. Domingo passado, o telefone amanhece mudo. Logo cedo, ligo pedindo o reparo. Ene, as solicitações, queixas e súplicas. Saldo: sete dias de jejum compulsório. Quando caía a conexão do modem da internet, então... só apelando aos tambores.

Curioso mesmo foi constatar, em retrospectiva, a falta zero que me fez o aparelho. Tirante uma ou outra situação, em que o celular deu conta do recado, é como se nada tivesse ocorrido. É parecido com o hábito de ler jornais: você traça todas as notícias ávida e diariamente até o dia em que viaja quatro, cinco dias para um lugar onde o contato com a civilização é nulo. Volta à rotina e aos jornais para se dar conta de que não perdeu nada.

(*)Referência nada sutil à história narrada em O colapso dos bibelôs, da Mulher.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Novo personagem em cena

1. Estou lendo no sofá da varanda, quando percebo passar ao lado, no gramado, um vulto amarelo. De volta, Amarelinha, a cadela responsável pela chacina do frango (detalhes, no blog da Mulher)? Nananina. Vou ver, é um bezerro. Eita. Passeando tranquilex, só faltou subir pr’um chá com bolachas.

2. Entre um parágrafo e outro de minha tradução, espio pela janela, que dá para o terreno do vizinho. Avisto a genitora do filhote, traçando seu café da manhã. Súbito, aparece ele. E chega faminto, o bezerrão. Suga de uma teta, de outra, faz um rodízio. Começa uma segunda rodada. Percebo que o úbere está meio murcho. O filhote também notou isso: começa a dar chacoalhões nele, com a cabeça, feito boxeador golpeando a bola de treinos. Sacode mais. E mais. Eu ali, só vendo a hora que Madame La Vache ia lhe dar uma patada de chega-pra-lá. Nada: tem a sorte de ter uma mãe compassiva.

3. Passeio pelo terreno. O bezerro, de novo, ao longe. Vejo-o fuçando um montinho de terra. Focinho quase enterrado. Dali a pouco, começa a saltitar. E berrar. Então, dobra as patas dianteiras, e passa a esfregar o pescoço no chão, numa posição um tanto quanto esdrúxula. Que diabo está fazendo? Rola na terra. Mais berros. Saltita de novo e repete a operação. Resolvido, o mistério: foi brincar no formigueiro.

De tédio não morro, nestas bandas. De jeito maneira!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Linguagem publicitária (2)

Na revista Língua Portuguesa desse mês (sinc, sinc), um artigo interessante, intitulado “Os limites da retórica de mercado”. Nele, é mencionada uma campanha publicitária da Parmalat, de 1998, visando à promoção de sua marca de café solúvel. O slogan:

“Um café à altura do leite”.

A seguir, a matéria reproduz a declaração de um acadêmico:

– Dizer que o café está à altura do leite é partir da premissa de discriminação ética, de apresentação alegórica que reforça a crença na superioridade do leite, branco, sobre o café, que se toma por metáfora do negro.

Li, reli e treli o slogan, à procura da discriminação ética e da “involuntária invocação racista” nele contida, segundo o texto. Só me resta, agora, triplicar o cuidado com a escolha de palavras, para evitar expressões e termos como “a situação está preta”, “alvo (como adjetivo; como substantivo, vá lá)”, “negrume da noite” etc. E até mesmo para comprar feijão preto na feira (apontar com o dedo é certamente mais seguro).

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cantoras, jornais e o estilo de cada um

Quanto mais leio a Folha, mais ela me lembra Marisa Monte (à exceção de seu trabalho com os Tribalistas). Quanto mais leio o Estadão, mais ele me remete a Ceumar (sobretudo nos álbuns Dindinha e Sempre Viva!).

Repare só.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Linguagem publicitária (1)

Trecho de um artigo de Peter Newmark, na revista inglesa The Linguist (tradução minha):

“O chocolate surgiu pela primeira vez como um artigo manufaturado na Suíça, no século XIX. Tornou-se conhecido por seus dois principais sabores: chocolate ao leite e chocolate amargo. A crise apareceu quando os experts da publicidade repentinamente se deram conta – ou acharam que se deram conta? – de que a designação “amargo” estava provocando um efeito gravemente pejorativo. Uma mudança linguística simples tinha de ser feita. Amer [francês] virou noir – o que está longe do ideal, mas “obscuro” teria sido pior. (...) Bitter(amargo) virou dark – que é ambíguo, mas pelo menos é misterioso”.

É mesmo de amargar, a notícia. Pensando bem, a divulgação dessa informação envolve riscos sérios. Imagine o bafafá, caso impliquem com nosso chocolate amargo. Contratarão um desses especialistas, que provavelmente colará sua tradução à do inglês, “dark”. Daí para um imbróglio, será um pulinho.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Essa é pra tocar no rádio (2)

Dante Ozzetti – Ultrapássaro, Gravadora Eldorado, 2000.

A rigor, Ultrapássaro (vencedor do 3º Prêmio Visa de MPB) é um disco de Dante e de Luiz Tatit, parceiro em sete das onze das canções do álbum. As letras e as melodias são um primor, com destaque para Dentro e fora, um choro em que um longo solo instrumental é intercalado entre a primeira e a segunda vez que Ná (irmã de Dante) e Virginia Rosa cantam a letra. Nele, uma progressão harmônica rara (em tempos de pasteurização generalizada da música popular, isso não é pouco) que leva o ouvinte a um longo e saboroso passeio musical.

Mas é um engano achar que Dante compõe “apenas” as melodias para letristas de mão cheia como Tatit. Prova disso são Assim e Vão. Achar adjetivos para elas pouco acrescenta a este esboço de resenha; é preciso ouvi-las.

Há mais de um ponto em comum entre Dante e Márcio Faraco (de quem falei recentemente, aqui). Ambos têm voz “pequena”, por exemplo. Dante, porém, compensa este ponto fraco chamando o Grupo Vocal Vésper, que engrossa o coro em algumas das faixas do álbum.

Fechando o disco, Vou voltar, de Dante e Itamar Assumpção. Que tem absolutamente tudo a ver com a guinada que dei há nove meses.

E mais não digo, pra não começar a resvalar na pieguice.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mundo animal

Ainda pintávamos a casa, pré-mudança, quando o rebanho do vizinho anunciava a trilha sonora que teríamos. Se a carneirada produzisse aquele som todos os dias, benzadeus. Pouco a pouco, a fauna foi se revelando: na segunda semana, sobre o fogão, uma aranha do tamanho de uma mão média (assim relatou a Mulher, que às vezes é meio, digamos, hiperbólica); pernilongos king-size durante o verão; sapos à larga; pererecas que já apareceram até saltando do ralo do banheiro, pluct!; uma águia com uma cobra ao bico, cena digna de National Geographic; os tucanos com seu canto que silencia a passarada; as duas pequenas cobras – uma delas trazida, aliás, por Valentina (era a própria versão felina do Salvador Dalí). Sábado passado, um toque de Oxford no jardim: um esquilo veio dar um rápido alô.

Animado, o mundo animal nestas bandas.

Em tempo: desativada, a caixa de comentários. No caso de uma necessidade mais urgente (why there should be one is more than I can imagine, como diria o mestre P. G. Wodehouse) de contatar o escriba, o endereço está aí em cima.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

365 livros em um ano

Esta é a meta de leitura de Nina Sankovitch (detalhes, aqui). Começou sua viagem literária em outubro do ano passado; está prestes, portanto, a terminá-la. Mas ela não se limita à leitura: escreve também resenhas sobre os livros lidos. Curiosidade: no site, descobre-se que ela é mãe de... quatro filhos.

Corta. Pacata cidade americana, em 2032. No divã, o filho mais novo de Nina.

– Aquele ano foi particularmente difícil. Cortei um doze...

O porquê de sua viagem entre livros? Entre outros motivos, para “atenuar a dor que tenho sentido desde que minha irmã [que era apaixonada pela leitura] morreu, há quatro anos”.

De duas uma: Nina é um exemplo de vida ou então de patologia grave. Seja como for, lembra a história do sujeito que fazia uma daquelas viagens nas quais se visita 25 países europeus em 15 dias. Ao longo do percurso, escreveu em seu diário de bordo: “Today is Thursday. It must be Istambul”.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Tradução e verossimilhança

Depois de ler – e curtir bastante – A história de Despereaux, de Kate DiCamillo (Martins Fontes), fui atrás de outro livro dela: O tigre. Neste, são dois os protagonistas, cuja idade não é revelada. Parecem ter entre 9 e 12 anos, algo assim. No meio da leitura, algo nos diálogos começa a me incomodar. Começo a anotar essas falas.

a) – Uma profetisa – disse Sistina. – Elas estão pintadas lá no teto da Capela Sistina. São mulheres por meio das quais Deus fala.
b) – Mentiroso é você! – disse Sistina (...) – Todo o mundo lá na escola também detesta você. Você é um maricas. Não quero vê-lo nunca mais.
c) – Quero lhe falar sobre o tigre – disse ele.
d) – Tenho mais mercadoria para você (...) Deixei-a lá no hotel, com Ida Belle.
e) – Eu também preciso dela – disse o pai (...) – Mas não a temos. Nem eu, nem você.

Os grifos são meus. Repare na perfeita colocação dos pronomes. O que me leva a perguntar: que criança ou adolescente (no último exemplo, aliás, trata-se de um adulto) fala desse jeito? A questão está na escolha entre a norma culta da língua e um uso mais espontâneo desta. A linguagem usada pelas duas crianças é impecável, mas cria-se, com isso, uma antipatia entre o leitor e os personagens, já que estes soam falsos. Seja como for, um livro como esse – e esta questão certamente aparece em inúmeras obras – oferece uma excelente oportunidade para discussão em sala de aula, sobre o conceito de “erro”.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Vingança

Escrevo ainda sob o impacto da leitura de Eu não sou um macaco, de Virginie Lou (tradução de Nilma Lacerda, Nova Fronteira). Livro que prende o leitor com descrições que são puro cinema. Vítima de uma humilhação pública, a adolescente Joëlle arquiteta a vingança contra seu agressor. Paradoxalmente, é de seu silêncio que ela adquire força, atitude que desconcerta todos à sua volta.

A chave do título (é prudente desconfiar dele – e também da classificação da obra: infanto-juvenil – e atentar para o texto da orelha, da própria tradutora) é dada somente nos últimos parágrafos. Páginas antes, porém, uma simples cena desencadeia, com sutileza quase imperceptível, o conflito interno da protagonista, que só se resolve plenamente no final.

A propósito, é também este o tema de Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino, tão incensado pela mídia, mas que me dá tão pouca curiosidade de conferir (talvez pelo excesso de ketchup que provavelmente espirrará da tela). Se você é fã da violência crua e do sadismo, passe adiante: é tudo que não verá no livro de Virginie. Nele, se a vingança é o fio condutor da narrativa, o pano de fundo são os limites, a ética e a capacidade de empatia humana.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Interatividade

1. Série que acaba de estrear na tevê será baseada na comunicação com o telespectador. No meio da trama, a atriz interrompe a cena, para perguntar ao público o que sua personagem deverá fazer na sequência. Estuda-se o uso da internet, no programa.
2. Cada vez mais “in”, o chamado “teatro total”. Pelo que entendi da proposta, os espectadores, além de ganhar voz, são apalpados e farejados.
3. Nos finais de shows, o público é chamado ao palco, para uma roda.
4. Num dos dias da Bienal do Livro em Olinda, os papéis são invertidos - os escritores sentam-se na plateia, e os ouvintes sobem, para palestrar. Olho neles: é o momento ideal para o poeta – contista, romancista etc – sair do armário e dar uma palinha de seu opus. Leitura que, na melhor das hipóteses, levará uns quinze minutos.

Demorou, mas chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Crônica de um desmanche anunciado

Namoravam há pouco mais de um ano. Um relacionamento tranquilo, mas morninho. Da boca dele, jamais saíram coisas como “Eu te amo”, pois entre a entrega sincera e o palavrório, ficava com a primeira. Tudo corre sereno até que certo dia, numa feira de livros, ele depara com um título meio bizarro. Folheia, hesita, mas decide levar. Toma um baque: é fisgado na hora. Email para a autora, no qual derrama elogios. Resposta. Começa a escarafunchar a obra dela. Segue-se uma troca de emails, que culminaria, dali a um mês, num encontro decisivo.

Pouco tempo depois, andando pela rua, lhe vem à mente, do nada, uma canção. Faixa de um cedê em que tropeçara numa loja em Berlim. Começa a cantarolar – geralmente leva um tempo para que ele se dê conta da letra (ficam em primeiro plano, sempre, a melodia, a harmonia, o arranjo). A música insistia em se infiltrar em sua trilha sonora mental, nos dias seguintes. Dizia assim:

Você não pode me condenar
Nem tem motivos pra estar triste assim
Tudo que eu fiz foi não querer perpetuar
Um sentimento que morria em mim

A paixão não pode esperar
Vive no tempo da flor, fugaz
Aproveitou a distração pra se instalar
E apunhalou o nosso amor por trás


Corta. Duas semanas mais tarde.

Espera a namorada para um jantar. Minutos antes da chegada dela, ele tem um ímpeto irresistível de ouvir o disco de Itamar Assumpção & Naná Vasconcelos. “Itamar, a essa hora? Não tem nada de romântico, nisso!”, queixa-se o seu lado racional. Mas, tratando-se de música, não costuma ignorar a própria intuição.
Soa a campainha. Dali a pouco, enquanto ela prepara os petiscos para acompanhar o vinho, começa a tocar:

Meu amor por você chegou ao fim, é tudo que tenho a dizer
Também não precisa sair assim, espere o dia amanhecer


Tem mais de três minutos, a canção, mas a letra se resume a esses versos. Ou seja, Itamar repete-os várias vezes. Instintivamente, ele aumenta o volume. Faz questão de ficar quieto. Ela parece não ouvir. Fim. Ela puxa papo, fazendo-o abaixar o volume. Não sacou.

Dois dias depois, ao telefone, diante da surpresa dela com seu tom de voz quase monocórdico, ele diz: “Bom, eu estive pensando...”. É a deixa: a ficha cai. Não só a ficha, mas o fichário inteiro.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Meu pé de laranja lima

Levou décadas, mas aí está: minha primeira árvore, plantada. E acompanhada de uma segunda, popularmente chamada de “escovinha”. Parceria com o filhote e mais dois amigos seus (impressionante, a energia desses guris, para trabalhos pesados). A Mulher deu o apoio logístico.

Não deixa de ser significativo: este é também o nome do primeiro romance que me tocou, quando piá.

O filho e a árvore já foram. Dos itens da suposta lista, só me falta, agora, a publicação de um livro.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Interpretação

Na piauí de setembro, um artigo que vale por tudo que já foi publicado em três anos de revista: Fina sintonia, de Dorrit Harazim, sobre o trabalho de interpretação simultânea. Sem contar a ilustração que abre a matéria: é rara, a situação em que o ilustrador acrescenta informações ao texto; aqui, ele pinta e borda.

Dois comentários, apenas: 1) certa altura do texto, há uma digressão em tom laudatório a um ex-presidente da República, que não diz a que veio; 2) Dorrit só não fez referência a uma pequena joia: Sua Majestade, o intérprete – O fascinante mundo da tradução simultânea, de Ewandro Magalhães Jr. (Ed. Parábola). Livro altamente recomendável não só aos aspirantes a essa profissão, mas a todos aqueles cuja profissão faz com que se sintam “a melhor bolacha do pacote”.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dicionários

Há pouco, foi lançado O pai dos burros – Dicionário de Lugares-Comuns, de Humberto Werneck (Ed. Arquipélago). Nele, uma compilação de frases feitas, clichês e chavões, colecionados pelo autor durante anos. Fui à livraria, seco para comprá-lo, mas ao folheá-lo, ele deixou de ser prioridade. Claro que o livro pode ser útil, como referência. Afinal, é fácil escorregar em palavras e expressões surradas pelo uso.

Mas as comparações são inevitáveis. Apanho na estante uma preciosidade, que achei num sebo: Dicionário do Brasileiro de Bolso – A língua perversa, de Teixeira Coelho (Ed. ARX). Coelho faz uma compilação de palavras e expressões que, fruto de modismos ou para afetar uma falsa erudição, trapaceiam, mascaram a realidade, ou mentem descaradamente. Estão no vocabulário dos economistas, da política, do futebol, do mundo das artes, ou então na boca do povo. Em cada verbete, um comentário do autor. Uma palinha:

CONTUNDIDO

O som é pior que a dor sentida. Considerando o salário que recebem, os atletas e esportistas não podem, como as pessoas comuns, apenas se machucar: eles se contundem.

DE ENCONTRO A

“O contribuinte pode ficar tranqüilo, o governo irá sempre de encontro a seus direitos”. (De um porta-voz).

Sem a menor dúvida. Não precisava dizer.

Nem sempre há confusão com “ao encontro de”, algumas pessoas sabem muito bem de que estão falando.

LEVANTAR UM DADO

Os dados provavelmente estão sempre no chão ou, em todo caso, em algum nível inferior ao daquele que por eles procura, caso contrário seria impossível levantá-los. Os dados não são mais simplesmente obtidos ou conseguidos. Agora tudo é mais difícil. O conhecimento é um poço profundo e o pesquisador, um halterofilista.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Pessoa

É raro acontecer, mas certos poemas refletem muitíssimo bem o meu estado de espírito. Foi o que rolou ontem. A ele:

O guardador de rebanhos
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva.

Ou tempestuoso como se acabasse o mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse pela janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,

E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Viagens

Viagem Literária, Biblioteca de Ilhabela. Cinquenta mil volumes, mui bem organizados. Às moscas. Mais tarde, à saída, nos pediriam para assinar o livro de visitantes, mas num tom que beirava a súplica.

No primeiro andar, auditório lotado: concentrados (a acepção da palavra, você escolhe), adolescentes de três escolas estaduais. Enquanto a autora apresenta sua obra, observo as reações dos guris. Dez por cento deles, se muito, sorvem cada frase dela, interrompendo para fazer perguntas. Os demais têm o olhar perdido no horizonte, a alma a quilômetros de distância do corpo. Viajando. No final, o Secretário da Cultura da cidade faz os rapapés de praxe, e dá os “parabéns” ao público, com uma frase sugestiva: “Vocês estão aqui há mais de uma hora, e se comportaram muito bem”.

De fato, comportadinhos. Da quantidade de energia usada para domar os demônios internos, só Deus – ou Belzebu – sabe.

Perguntas balançando no trapézio da mente: os alunos ali estavam por vontade própria? De volta à sala de aula, terão de preparar algum relatório ou responder a um roteiro de questões (prática característica em muitas escolas, que viajam com seus alunos para "estudos do meio"; mas a viagem, em si, não basta: é necessária a finalidade didática, a justificativa perante os pais e o diretor da escola de que não foram simplesmente ‘passear’)? Têm alguma liberdade de escolha dos livros que leem ao longo do ano? Podem, por exemplo, sugerir a leitura de seus próprios “clássicos”? Quando perguntados, alguns responderam, corajosamente, que não gostam de ler; que alternativa a escola lhes dá?

E assim continua a ladainha: o que fazer para criar o hábito da leitura?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Fruta no pé

Primavera a todo o vapor no recanto. Já começamos a colher no pé: goiaba, abricô, cereja e amora. Bananas, quase lá. Café, idem. Sem contar o estirão das catalônias, cenouras e alfaces. Eita, a estação promete.

Índigo Press: a Mulher participa da Viagem Literária, um programa da Secretaria da Cultura do Estado. Nesse mês, bate-papos apenas com autores de infanto-juvenil, entre eles Ignácio de Loyola Brandão e João Carlos Marinho. O bacana é que, das 55 cidades escolhidas, grande parte é lugar pequeno. Os três próximos destinos dela: Tanabi, Adolfo e Gavião Peixoto. O primeiro encontro foi em Ilhabela, que o escriba presenciou. O lado B do evento, você encontra aqui, na 4ª feira.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Palíndromos (final)

Só sossego no dia em que conseguir compor um deste quilate (ignoro o autor, aliás):

A MAN, A PLAN, A CANAL: PANAMA.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Língua, poder e autoimagem

Estado de S.Paulo – A obra de Freud é marcada por sua didática, sua clareza. E esse não me parece ser o caso dos pensadores da psicanálise contemporânea. De onde vem esse problema de comunicação?

Elizabeth Roudinesco – Esse problema é enorme. Os psicanalistas escrevem em clichês. (...) Freud era um autor claro, o que influenciou todo o movimento psicanalítico. Hoje, quando leio psicanalistas freudianos norte-americanos ou ingleses, fico impressionada com a quantidade de clichês que eles usam. Quando os intelectuais se fecham em torno de si mesmos, eles falam a linguagem de uma tribo. No interior, a tribo se compreende. (...) Às vezes, os antropólogos e sociólogos que queriam se divertir perguntavam se eu, como psicanalista, não me sentia como o antropólogo que chega à Melanésia e deve decifrar a linguagem da tribo.


Volto ao tema da falta de clareza nos textos. A afirmação de Roudinesco vem a calhar. São inúmeras as situações em que o texto acadêmico é indecifrável. Aparentemente escrito para ser lido pelos membros da tribo. Pode se tratar de uma simples confusão mental, mas essa obscuridade parece revelar algo mais grave: o desejo de poder.

O diabo é que esta obscuridade não é privilégio da academia. Ela afeta grande parte dos contratos (redigidos em juridiquês), o discurso dos economistas, as incontáveis consultas em que os termos usados pelo médico deixam o paciente boiando, as bulas de remédio. Uma linguagem que, ao delimitar terreno – os termos empregados não serão compreendidos por todos – colabora com a exclusão. A marginalização, que já ocorre no plano econômico, mostra-se presente no uso cotidiano da língua – um tema brilhantemente analisado por Marcos Bagno, no livro Dramática da língua portuguesa – Tradição gramatical, mídia e exclusão social (Ed. Loyola).

Ao deparar com textos que carecem de clareza, me ronda a dúvida: de onde vem essa busca (inconsciente?) de poder, essa necessidade constante de apresentar uma falsa imagem?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Conversas através da música (*)

Férias escolares. Tempo em que muitos dos pais em Oxford fazem malabarismos, buscando alternativas sobre o que fazer com seus filhos. Momento em que entram em ação as atividades de entretenimento, oferecidas por várias escolas e centros comunitários locais. Foi num desses dias em que meu filhote se juntou às outras crianças, numa dessas atividades, em um parque num bairro considerado periférico.
A petizada não tinha lá muito o que fazer. Destacava-se ali uma tenda, dentro da qual um rapaz se propunha a fazer música com a criançada. Instrumentos de percussão somente, mas dos mais variados. O animador, um negro alto e forte, com um largo sorriso, produz um som que me conquista de imediato, fiquei então com um olho em meu menino que ciscava para cima e para baixo, e outro no que se passava na tenda. Ele propunha ritmos para as crianças, tocando uma frase e pedindo que elas o acompanhassem. Da parte dos guris, muita timidez, pouco envolvimento com a música e desencontros rítmicos, ainda que aqui ou ali um deles revelasse um talento maior para a coisa. Me aproximo, contagiado com aquele som, e apanho um tambor. Começo a bater ritmos, meio hesitante no início, mas logo me solto, tocando no contratempo e improvisando. Me ponho a tentar tirar música de outros instrumentos, um agogô, e uma espécie de chocalho. Meu filho junta-se ao grupo e começa a batucar. Dali a um tempo entra um rapaz de visual hippie anos 70, de longa cabeleira e barba. Apanha outro tambor e começa, mostrando logo ser profissional no assunto. Nesse momento já estou descontraído e proponho um certo diálogo musical com ele, logo aceito. A cena dura uns cinco minutos.
O melhor ainda estava por vir. Há ali três bancos, dispostos em forma de U, e uma garota de uns dez anos senta-se bem à minha frente. Logo proponho o mesmo ‘diálogo’, que ela hesita em aceitar no início, mas logo se entrega. Toco umas dez, quinze ‘frases’, mais fáceis no início, dificultando progressivamente. Ela responde. Logo depois ela toma a iniciativa e propõe as frases para eu repetir. Tudo isso acontecendo sem uma única palavra trocada entre nós. Só a música no ar. Sorrisos gostosos dela revelam o prazer que parece lhe dar o som que ela mesma produz, a menina tão jovem, quase adolescente. Termina o horário, o negro começa a recolher os instrumentos, sinalizando que queria ir para casa. Eu ali querendo prolongar mais e mais o prazer e aquela ‘conversa’ deliciosa que tinha com a menina. Ela não precisaria abrir a boca, a música se encarregaria de nossa comunhão. Recolhidos todos os instrumentos, ele me diz ‘Obrigado por sua ajuda’, o outro ‘profissional’ e a menina com quem ‘dialoguei’ desaparecem rapidamente, sem dizer palavra.
Saí dali orgulhoso de ter conseguido usar a música para expressar sentimentos, tão logo percebi que a conversa tradicional via linguagem ali não teria espaço. Trouxe para casa o bonito sorriso da menina e a sensação de que ela voltou para casa meio intrigada ou curiosa com aquela ‘conversa’ meio diferente que acabara de ter com um ‘estranho’.
A música como forma de expressão. Geraldine Chaplin, anos atrás, disse que enquanto assistia a um show de Chico César, no Nordeste, emocionou-se algumas vezes no meio das canções. No mesmo depoimento, confessou não saber lhufas de português.
Da mesma forma que minha voz e violão não deixavam indiferentes vários passantes nas ruas de Gênova e vários dos hóspedes de um hotel em Eilat (lembro em particular de um que tamborilava com os dedos, enquanto eu tocava e cantava uma bossa-nova), nos idos de 1988, a música, tal qual no show de Chico, opera milagres também aqui na ilha, aproximando as pessoas, tornando-as mais sensíveis, mais permeáveis.


(*) Texto escrito em 2003, quando eu morava na ilha. Ao reler, o primeiro impulso foi começar a editar, apagar, reescrever. Deixo como está: fazer isso equivaleria a aplicar o Photoshop numa foto antiga.

Sincs

Cenas do fim de semana:

1. Sábado à tarde, terminal de ônibus da Estação Vila Madalena do metrô. Apresentação de um grupo de capoeira, que saboreio por longos minutos.
2. Dia seguinte. Leio artigo no Estadão, sobre a xenofobia na Europa.
3. Domingo, horas mais tarde. Assisto ao filme O visitante, que comprara dia antes, sem sequer saber direito do que tratava.

O diálogo entre as três situações é impressionante. Sincronicidades, cada vez mais. Levo um tempão para cair no sono, pensando nos inúmeros pontos de contato entre as três cenas, e mais: entre elas três e as histórias que vivi em minhas viagens. Percebo que a crônica que escrevi há alguns anos ainda está muito presente em mim. Veja o próximo post.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Só mais uma coisa...

Amanhã à tarde tem contação de histórias no SESC-Ipiranga, baseado em Saga Animal, primeiro livro da Mulher. Tou curioso para ver. Mais detalhes, no blog dela. Ou no Portal do SESC na internet.

Bom fim de semana.

A vida no campo e o nada

“Escrever sobre o quê, se aqui não acontece nada?”

Foi a primeira coisa que me veio à mente, quando caçava assunto para o blog, dia desses. Nada como o processo de decantamento, para filtrar certas bobagens. É só apurar os ouvidos e o olhar, que surgem os sinais. Registro alguns deles.

O desabrochar das orquídeas por todo lado. A amoreira dando seus primeiros frutos. Cavalos e vacas que voltam a tomar o café-da-manhã no terreno ao lado. Microfolhas aparecendo na macieira recém-plantada. Os berros da vizinha com seu cão, que crescem na medida inversamente proporcional à disposição dele de obedecer. O sumiço dos suriás, que brincavam junto dos beija-flores. O pica-pau de barriga amarela. A lenta mudança na dieta de Valentina, que agora alterna whiskas com morcegos, besouros e (hélas!) beija-flores. O despertar diário com a passarada e os carneiros do vizinho, que me libertaram da tirania do despertador.

E isso tudo no plano externo (que, no fim das contas, é secundário). Como assim, não acontece nada?

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Essa é pra tocar no rádio (*)

Nesta seção, darei alguns pitacos sobre os músicos e cedês a que recorro quando bate a necessidade de realimentar a alma. Começo com Márcio Faraco.

Ele é gaúcho, mas os europeus o conhecem melhor que nós – teve pelo menos 60 mil cópias vendidas, o primeiro de seus cinco álbuns. Destes, somente o segundo, Interior, foi lançado aqui, pela Biscoito Fino. Há mais de dez anos, mudou-se de vez para a França, onde tem gravado seus cedês, pela Universal Music.

Na faixa Ciranda, que abre seu primeiro álbum, homônimo, Faraco já dava uma amostra do que viria. Um trecho (letra dele; música em parceria com Pedrin Gomes):

Andando só na corda bamba
Não temo o futuro da nação
A gente que sempre dançou samba
Enfrenta qualquer divisão


Explorada ao máximo, a polissemia da palavra divisão: a divisão de classes, a divisão entre raças e a divisão rítmica (a síncope, característica do samba, é ressaltada no modo como os dois últimos versos são pronunciados, na segunda vez). Uma discreta celebração de nosso caráter, mas sem ufanismo.

Têm esse nível de sofisticação, as letras do restante do álbum e de seus demais cedês. E semelhante refinamento melódico e harmônico. Os ritmos e os temas são os mais variados. Por exemplo, um fato aparentemente banal – a saraivada de garrafas que se abateu sobre Carlinhos Brown no festival Rock in Rio –, é transformado numa obra-prima de canção: Chuva de vidro, (álbum Com tradição). Retrata com maestria e leveza a opacidade de Brasília (parceria com Fernando Torres Filho), em Cidade (Com Tradição). Poderia me estender, mas o melhor mesmo é ouvi-lo.

Nem gravadoras nem a mídia se interessam por Faraco – ou por Hermeto, Gismonti, ou vários outros. Atualíssima, a canção de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, famosa na voz de Elis: “O Brazil não conhece o Brasil (...) O Brazil não merece o Brasil”. Há amostras de seu trabalho na rede, gugla lá. Uma apresentação bacana você encontra aqui. Ou visite seu site.

(*) Faixa do álbum Refazenda, de G.Gil, de 1975. Jamais tocou no rádio. Quem ouviu, sabe o motivo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Escrever para crianças

“Há só uma regra para fazer filmes para crianças: nunca fazer um filme para crianças. Um filme feito com a preocupação de que tudo seja compreendido por crianças não é apenas um filme ruim, mas é uma atitude equivocada. O trabalho de uma criança deve ser aprender, aprender e aprender mais. Para ela, quase tudo o que aparece na sua vida é novidade, e não compreender as coisas faz parte de seu cotidiano. A criança não se afasta completamente de uma história por não a ter entendido. Entre as novidades que surgem, haverá detalhes que ela compreenderá, porque sua mente é muito esperta e ativa. Há coisas que ela adivinha. E há coisas, claro, que ela não entende mesmo, mas que guarda estocadas no cérebro para usar no futuro”.

A declaração acima é do cineasta Michel Ocelot, citada no artigo de Braulio Tavares, “Escrever para crianças”, na revista Língua Portuguesa desse mês. Basta trocar “fazer filmes” por “escrever”, “filme” por “livro”, e a declaração se aplicará muitíssimo bem ao que está implícito na obra produzida pela Mulher – uma literatura que não subestima a inteligência do leitor. Não a conhece ainda? Sugiro começar por A maldição da moleira. E continuar com Um pinguim tupiniquim - que será lançado amanhã, aliás. Detalhes, em seu blog.

Em tempo: a partir de hoje, este blog será atualizado às 2as, 4as e 6as feiras. Nos demais dias, só quando me bater os cinco minutos.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Notas de um revisor (2)

Um aspecto bastante interessante desta profissão é observar o modo como o autor reage às correções apontadas. Em alguns casos, o melindre vem à tona. Como se o amor-próprio do sujeito tivesse levado um golpe. Durante meses, fiz frilas numa revista de grande circulação. Minhas perguntas e sugestões de correção eram tidas como uma quase-afronta por um assistente do editor. Aquelas eram respondidas como se ele me estivesse fazendo um enorme favor; estas acabavam sendo quase sempre acatadas (não raramente com um muxoxo): a equipe era formada por três revisores, e nossa sugestão de correção só chegava a ele depois de um bate-bola entre os três, em busca de um consenso.

Trabalhar como revisor produz um, digamos, efeito colateral: não consigo ler mais uma linha sequer, esteja ela em jornal, em livro, encarte de CD ou embalagem de produto sem que, quase inconscientemente, o pente-fino seja passado pelo texto. E o que ocorre? Claro, os erros pululam. Parecem brilhar com luz néon.

Permanecem, também, alguns mistérios: por que é que problemas de revisão continuam a surgir em toda parte (ouço tão raramente queixas a esse respeito, me pergunto se alguém mais se incomoda com isso)? A figura do revisor já é supérflua em redações de jornais (a julgar pela seção “Comunicar erros”, na qual o leitor do jornal na versão online pode “interagir” com a redação, lhes dando uma mãozinha, sim. Isso ocorre no principal jornal do país; nos demais, melhor nem imaginar)? No caso de uma tradução, espera-se que o próprio tradutor apare todas as arestas? Julgam, quiçá, que um estagiário de 3º ano de Letras consegue dar conta do recado – nesse caso, remuneração adequada para quê?

Pensei nestas e noutras questões ao deparar, tempos atrás, com Futebol ao sol e à sombra, belíssimo livro de Eduardo Galeano, edição de bolso. Nele, uma média de dois a três erros por página. Espio na página 3, e noto que quatro pessoas assinaram a revisão. Estarrecido, escrevi um email ao editor. Sua resposta, acompanhada de um pedido de desculpas: oferecemos o reembolso da quantia paga. Não queria o dinheiro de volta, queria apenas ser respeitado como leitor.

Talvez fosse – e ainda seja – pedir demais.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Notas de um revisor

Ao fazer o curso de Letras, esta era provavelmente a última possibilidade que me passava pela cabeça: tornar-me revisor de textos. Ironia, pois, dentre os trabalhos que faço, é um dos que mais curto. Parece haver uma espécie de fetiche, nisso: o prazer de escarafunchar o texto alheio, para poder arredondá-lo. Além de cuidar do essencial – ortografia, pontuação, concordância e regência –, dar pitacos sobre o estilo, o registro (expressões coloquiais usadas em contexto mais formal, por exemplo), a presença de clichês (dia desses, uma matéria de revista falava da violência em SP. No parágrafo seguinte, a autora mudou o foco, e começou a falar do Rio de Janeiro. Adivinhe com que expressão ela se referiu à cidade. Sim, essa mesma que você pensou), as redundâncias (tem sempre alguém que “encara um problema de frente”, ou uma cena em que “chove lá fora”).

Dito isso, o que vier, eu traço, então?

Em termos. Há uma distinção nítida entre: 1) os textos “ideais” e 2) os sapos do ofício. Os primeiros fluem, são redigidos com certa clareza, necessitando apenas de pequenas adequações aqui e acolá. Seus autores sabem onde querem chegar com sua argumentação. No segundo tipo, exige-se do revisor quase um trabalho de telepatia: “O que é que o cidadão quis dizer com esta frase?”. Aqui, são comuns as frases truncadas, a sintaxe que foi claramente emprestada de outra língua, expressões idiomáticas com tradução literal, ideias que não mostram a que vieram dentro do texto. Particularmente penoso, porém, é o fato de surgir com grande frequência, neste tipo de textos, um estilo empolado, com palavras pretensamente eruditas, mas que pouquíssimo acrescentam ao sentido geral. É o chamado texto-gelo-seco (lembro de um show de MPB a que assisti, de qualidade musical mediana, surpresa zero do ponto de vista musical; nele, a fumaceira tomava conta do espaço). Tampouco é incomum o texto-enceradeira: anódino na sua essência, mas ainda assim o autor, com certo malabarismo verbal, consegue criar a expectativa de que aquilo vai desembocar em algum lugar; nele, a argumentação dá voltas e mais voltas, e se você estiver lendo com atenção, ficará agoniado, a perguntar: “Ok, entendi. Mas e daí? E depois?”.

É óbvio que nem sempre dá para escolher o tipo de texto, numa oferta de trabalho de revisão. Se surge um do tipo 2, a solução (a menos que se trate de emprego fixo em editora) que serve de paliativo é cobrar pelo trabalho de reescrita, levar em conta o tempo gasto nesse processo. Claro que tal postura é recebida com indignação, pois o trabalho intelectual em nosso país, em geral, não é valorizado. Percebo que, cada vez mais, têm caído em minhas mãos textos do tipo 1. Mas leva tempo para isso acontecer.

(continua)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ressaca

Volta e meia pipoca o relato de um escritor que compôs várias páginas, às vezes livros inteiros, sob o efeito de alguma droga – álcool, cannabis. Alguns pegam pesado: cocaína, Britney Spears. Grande parte deles diz que, ao reler, muito pouco do que foi escrito é realmente aproveitável.

Micro plenamente recuperado, releio o que traduzi ontem. Benzadeus, que porre. Vá lá: do total, devo aproveitar uns trinta, quarenta por cento. Grosso modo, a manhã de trabalho serviu para a observação da fauna humana – o que também não é ruim.

Só mesmo muito de quando em quando nasce um Villa-Lobos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Villa-Lobos e a Lan-House

Li, certa vez, que Villa-Lobos, quando perguntado sobre como conseguia trabalhar, compondo ao piano, em meio a um fuzuê interminável de crianças correndo ao seu redor, e pessoas falando, teria respondido: "O barulho externo não tem absolutamente nada a ver com o que estou fazendo, portanto não há problema nenhum".

Ao cabo de três horas de trabalho de tradução (e com certo êxito) numa lan-house, com o típico som bate-estaca ao fundo, adolescentes urrando de uma cabine à outra, perguntando sobre o orkut, o msn e o diabo, é inevitável a lembrança do maestro.

Terei entrado numa bolha, sem perceber?

Quantos compassos Villa seria capaz de produzir, cá onde estou?

Nossos comerciais, por favor

Assim pedia Flávio Cavalcante, na década de 70, e assim terei que pedir agora. Deu um apagão geral, por aqui, e meu micro vai hoje para a UTI, onde ficará respirando com/entre aparelhos. Momentos de vigília no Recanto Pau D'Alho. Volto em breve.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Palíndromos (3)

Neste, o protagonista é meu filhote. Uma homenagem às avessas, por assim dizer:

LIVIO FOI VIL

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Ops!

Em idioma estrangeiro, frequentemente há linha cruzada. Ou então gafes.

As cenas a seguir são de tempos idos, ambientadas em outras latitudes. Nos dedos de um ficcionista habilidoso, viravam conto. Aqui, quando muito, (ana)crônicas.

1. Oxford. Espero meu filho à saída da escola. Aproxima-se uma mãe, e puxa o papo de sempre:

– Cold, isn’t it?
– Ô! *
– Warm**? You find it warm?

* Como pode, uma interjeição tão expressiva não significar xongas para eles?
**No sotaque inglês, o “r” praticamente não é mais pronunciado. Nos EUA, claro que nada teria acontecido.

2. Paris. Converso alguns minutos, ao telefone, com um professor universitário de lá. No final, recebo um elogio dele ao meu francês (fizera bons progressos, em poucos meses na cidade). Eu já o conhecia do Brasil; tínhamos, portanto, um pouquito de intimidade. Mas, ao despedir, soltei:

– Au revoir, alors. Je t’embrasse.

Silêncio mortal do outro lado da linha.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

De pragas urbanas e leis

Lembra-se do tempo em que você ia a um restaurante e não havia tevê ligada ao fundo? Quando era possível ler dentro de um ônibus em movimento sem que a passageira ao seu lado começasse uma D.R. com o namorado, via celular? Hoje, além de tais cenas terem sido incorporadas à paisagem, o celular funciona como aparelho de som e é ligado no volume 15 dentro do metrô ou do ônibus. Olho ao redor, buscando cumplicidade para meu pasmo, e nada. Hipótese: está em curso um processo generalizado de embotamento dos sentidos. Ou então é o blogueiro que está ficando senil.

Ora, se dirijo pelas ruas com o som ligado em 120 decibéis, se meu I-Pod é perfeitamente audível a dez bancos de distância, no ônibus, estou tratando o espaço público como privado. A rua e o ônibus como extensão de meu próprio quarto. E cadê o moral que me dá o direito de ficar indignado com Sarney, com o Senado etc? Não estou fazendo mixórdia parecida?

Está em vigor a lei anti-fumo em locais públicos em SP. Inspirada nela, não caberia discutir a viabilidade de uma lei anti-música ambiente?

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Dica

A Mulher não divulgou a participação nesse trabalho, não sei bem por que, mas achei pra lá de bacana, a antologia. Autores não só de textos: áudio, vídeo e imagens. Além dela (que tem ali a adaptação teatral de um conto seu), há uma porção de gente boa, incluindo André Dahmer, um fera da HQ atual (link aí ao lado). Sem contar o visual do site, que é belíssimo. Taí, toque dado: Antologia Digital, organização de Heloisa Buarque de Hollanda. Espia lá.

Eu sou um gato

Esse é o nome do romance de Natsume Soseki (Estação Liberdade, tradução de Jefferson José Teixeira), narrado por um felino. Livraço. Impressionam nele a elegância do estilo e das frases e a ironia fina, que refletem a superioridade do gato sobre o amo e, de tabela, sobre os humanos em geral.

Algumas passagens são demasiadamente longas, mas o prazer em acompanhar a narrativa se mantém. Terminado o livro, percebi que aumentou meu respeito por Valentina, e minha admiração pelo modo como ela concentra a energia, para usá-la nos momentos certos. E por sua intuição: saca perfeita e imediatamente quando a energia das pessoas ao redor é boa ou não: junta-se ao grupo ou recolhe-se, conforme o caso. Soseki (falecido em 1916) teria, contudo, muitíssimo a acrescentar à densidade da personalidade de seu bichano, tivesse conhecido Valentina. Pois, além de refletir tudo o que está narrado na obra, ela também consegue revelar uma malice (derivado do adjetivo mala, bien entendu) singular, exigindo uma dedicação 24 horas, mesmo depois de saciada a fome e dos cafunés todos. Sorte nossa que seu namorado vem visitá-la de quando em quando.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Palíndromos (2)

Àqueles que se graduaram em Psicologia a toque de caixa:

NA CALMA, RELERAM LACAN

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

SOS Blogueiro

Inacreditável, mas não consigo fazer a operação copiar/colar, para o post de hoje. Operação que, dentro de um documento Word, faço com dois palitos. Como meus conhecimentos não são tão rudimentares assim, deve ser algo relacionado com meu inferno astral. Sem contar que, olhando para as instruções, por aqui, não encontro a forma de listar meus blogs favoritos aí ao lado (sem essa história de "seguidores", que parece indicar que terei de catequizar alguém, ou coisa que o valha).

Alguém de plantão por aí, que saiba decifrar esses enigmas da blogosfera?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mundo cão

Outra situação que já surgiu algumas vezes, cá na roça. O visitante olha o tamanho de nossa casa e do terreno e lasca: “Vocês têm que ter um cachorro, aqui”. O saboroso desses comentários é a sua ambiguidade. Temos que ter um cachorro porque: a) eles adoram um espaço amplo, correr, pular e explorar a mata; b) aperte a tecla SAP do que acaba de ser dito: “tenho um cão e, vivendo em apartamento, a sensação dele é claustrofóbica”; ou c) é uma questão de segurança – é imprudência viver num lugar isolado sem esse tipo de preocupação. O porquê fica no ar, ou então acolhemos o comentário com um nada convincente “Ah, é verdade!”. Mal sabem eles que Valentina, a gata da Mulher, duas vezes já botou pra correr a cadela amarelinha, a intrusa do pedaço.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Churras: flashes

1. Ciente de que trinta bocas estariam presentes, eu alertara os convidados sobre minha lerdeza, como piloto de churrasqueira. Nenhum comentário a respeito, na troca de emails. Pânico infundado, porém: Edinho (esse merece carteira assinada, 14º e o escambau), Joca e Alê assumem o posto e dão baile. Michel dá coordenadas preciosas no manejo das brasas e grelhas. Acabo no papel de coadjuvante.

2. 17h. Num churrasco típico, a essa altura os convivas estão empanturrados. Neste, começava a segunda rodada, e com carnes nobres. No outro lado da varanda, o ping-pong comendo solto.

3. A roda aberta. Cachaça fina, vinhos e brejas circulando, e o grupo gargalhando à larga. Decisão conjunta de adiar o retorno do fretado, esticando o prazer por mais duas horas. Me perguntava: haverá cenas parecidas no Rio, em BH etc, escritores festejando a vida desse jeito? Mercearia São Pedro fazendo escola por aí? Putz, oxalá.

4. Fim, 20h. Ana e eu olhamos para a casa: Átila passou por aqui? Seguem-se doze horas seguidas de sono, e o corpo ainda traz as marcas. Nada como um Aconcágua de louça para organizar e filtrar as lembranças – e também o que merece vir para o blog. Reprise mental das várias demonstrações de solidariedade e de afeto que pipocaram aqui e ali. Quem dera todo cansaço fosse acompanhado de tamanho bem-estar para a alma.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Pesquisas e a falta de leitura

Dia desses, em seu blog, a Mulher levou ao ar comentários de leitores seus, da “geração que não lê”. Mensagens que contrariam essa ideia. Pois bem. No sábado, saiu uma reportagem do Estadão sobre um novo imposto sobre livros, que está sendo discutido pelo governo. Nela, um box com o título Retrato traz os dados de uma pesquisa, sem menção de fontes. Entre outros:

- 45% dos brasileiros declaram não ter lido nenhum livro nos últimos três meses
- 29% das pessoas que não leram livros no último ano dizem que faltou tempo

Bem, manda o bom senso que se desconfie de pesquisas. Mas ok: aceitemos o resultado dos dados acima, por ora. O duro mesmo é engolir o “faltou tempo”. (Me pergunto, aliás: tal resposta é espontânea ou induzida pelo entrevistador?). Sobra tempo para a TV, para a internet (somos campeões mundiais em tempo gasto na rede, dizem as... pesquisas), para as baladas, o vídeo, mas não para o livro. Ouço também, com frequência: “não leio no ônibus porque me dá tontura/enjoo”. Curioso: no metrô, o chacoalhar é bem menos intenso; ainda assim... quantos estão lendo, no vagão em que você entra...?

Outra justificativa, não mencionada ali, mas muito usada para justificar a falta de leitura: o preço do livro. Sim, seu custo no Brasil é alto, sobretudo na comparação com outros países. Na Inglaterra, por exemplo, é comum achar um bom livro por 7 libras, o equivalente a 3 cafezinhos. Tente comprar um com o valor de 3 cafés. De fato, livro aqui é caro. Mas o argumento não cola. Façamos as contas: quanto sai a despesa de uma noite de balada? Ou um cedê? Uma bolsa, um par de tênis, o celular modernérrimo? E quanto se gasta num livro? Questão de prioridade, né não?

Caberiam outras justificativas para a não-leitura: “Não gosto de ler”, “Ler é entediante, prefiro filmes”, “Isso não me acrescenta em nada”, “Ler não tem utilidade nenhuma”, e por aí vai. Mas e a coragem para admitir uma opinião dessas, diante do entrevistador? A preocupação com a autoimagem (ou em ficar mal na fita, como dizem) ainda é maior.

Pesquisas, autoimagem... dão uma tecelagem pra manga, esses assuntos. Voltarei a eles.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Palíndromos (1)

Antes de dar início a essa série, lembro aos entusiastas que a criação de palíndromos gera uma dependência braba, sua vida social pode ser afetada. Aconselhável associá-la a outras coisas, como prazos de entrega lhe tocando o calcanhar. Dito isso, começo a desovar alguns de minha lavra. O primeiro corre o risco de atrair a ira dos adeptos do PC (politicamente correto). Mas vamos lá:

OBESOS: SÓ SEBO

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A volta de Simão Bacamarte

Setor de Otorrinolaringologia de um renomado hospital público de São Paulo, anteontem. Talvez devido à falta de salas, ou então à grande demanda, a médica fazia uma triagem na própria sala de espera. Mas não apenas a triagem: uma espécie de pós-consulta também. Ao lado, ouço a conversa entre ela e o paciente:

– Seu Antonio, olha, é o seguinte: estive analisando o seu caso, vamos ter mesmo que internar o senhor.
– Hein?
– Vai ser preciso, pra dar continuidade ao seu tratamento.
– Mas... internar? Por quê?!
– Pois é, seu Antonio...

A seguir, dois possíveis desfechos para o episódio. Comecei a achar que presenciaria este primeiro:

Surgem dois brutamontes, um de cada lado de Seu Antonio. Que já sente o braço ser agarrado. Dois PMs se postam ali perto, para o caso de necessidade.

– Ei, o que é isso? Me larguem!
– São os procedimentos, seu Antonio. É melhor o senhor cooperar.
– Que história é essa de internação? Me soltem! Arhmmpf.

Sobreveio, porém, o desfecho (sur)real:

– Márcia*, você chamou Antonio Carvalho, não foi? – pergunta o colega, da recepção.
– Isso mesmo.
– Aqui está ele (apontando para o verdadeiro Seu Antonio).
– Ai, desculpa, senhor! (também chamado Antonio).

Itaguaí é aqui.

(* Nome fictício, para não estimular uma caça às bruxas no C.R.M.)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Silêncio

Um comentário recorrente de pessoas que vêm nos visitar na chácara é sobre a tranquilidade daqui. Que provoca nelas diferentes reações. Alguns nos invejam por termos tido a coragem de trocar o burburinho de Sampa por esse lugar, realizamos o sonho que sempre foi deles. Em outros, o espanto se mistura à admiração: como vocês conseguem viver sem cinema, sem baladas, sem o agito todo? Não se entediam? Sobrinhos meus, uma meia-hora após sua chegada, dia desses, já não suportavam a experiência. Valiosa, pra mim, é a oportunidade que se tem, aqui, de entrar em contato com o silêncio. O silêncio, acompanhado da inatividade, carrega consigo a culpa. A velha culpa da matriz cristã. Experimente ficar quieto e contemplativo, no sofá de nossa varanda. Só observando o vai-e-vem dos beija-flores, sem pensar nas tarefas da casa, no prazo da tradução ou revisão a ser entregue – silenciar a mente. A culpa, provocada pela ociosidade, vem a galope. Para mitigar o sentimento, recorro aos livros, que me trazem a sensação (também ilusória) de que estou fazendo algo útil. Mas a literatura é de uma inutilidade deliciosa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sincronicidades

No dia em que resolvi que criaria um blog, fui à cidade com a Mulher*. No momento em que entro no carro, rádio ligado, começa a tocar a canção de G.Gil: “Eu quero entrar na rede / promover um debate / juntar via internet...”. Claro que isso não é coincidência: o plano de criar esse espaço, aqui, me perseguia havia muitos meses. Dizem que, quando se dá conta delas, as sincs passam a acontecer com frequência cada vez maior.


*Daqui por diante, é assim que farei a referência à Ana, a moçoila com quem divido o ninho. Para evitar o “minha” mulher. E também termos como parceira, companheira, esposa, consorte, cônjuge. Um mais horrendo que o outro.

Estreia

Os pitacos que darei nesse espaço terão temas variados: derrapadas linguísticas, lugares-comuns e gramatiquices; o recém-adotado estilo de vida no campo; traduções e revisões. E o que mais der na veneta.