segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Em novo endereço

Eis a novidade prometida há alguns dias. Aos 15 meses de idade e com um número redondo, 300 postagens, Na Ponta da Língua completa seu ciclo. A partir de hoje, estarei na casa nova. Clique aqui.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O novo Sesc

Se você me lê no domingo e mora em Sampa, sugiro largar o micro agora mesmo e ir visitar o Sesc Belenzinho, que inaugurou ontem, e continua com uma programação incrível, o dia todo, hoje. Bem pertim da estação Belém do metrô.

Comentários sobre nossa visita, num post à parte, amanhã, neste bat-local.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Uma patologia animal

O blogueiro anda meio monotemático, sei disso. Mas o assunto se impõe.

A explicação talvez esteja relacionada aos hormônios. Ou à idade avançada. Fato é que há um determinado período do dia em que Valentina fica (para usarmos o jargão médico) descompensada.

Em geral, isso se dá entre 8 e 9h30. A essa altura, já recebeu: a ração crocante, whiskas (pelo menos dois potes cheios), cafuné na barriga, atenção individualizada e o escambau.

Ainda assim, seu miado continuará. E com um nível de decibéis que, ouvido de longe, passa a impressão de que o casal acaba de lhe arrancar sua ninhada de filhotes, ou então não a alimenta há quinze dias.

Passado esse período, retoma sua hibernação, da qual só sai por motivo de força maior (uma borrifada do anti-pulgas, por exemplo).

Terá Freud desenvolvido alguma tese sobre a histeria em felinos?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Fauna local: um apdêite

Talvez como efeito do que ocorrera na véspera (um grosso galho da goiabeira simplesmente arriou; causa provável: ferozes cupins), fato é que ontem o bicho estava pegando, cá no recanto. Literalmente.

Logo pela manhã, um casal de besouros gigantes rondava a varanda. Acordo hoje, e seu zunido continua lá.

Meio do dia, felino novo no pedaço. Suspeita de que Valentina esteja traindo o fiel namorado de pelo branco. Olhares furtivos lançados mutuamente, love is in the air. À calorosa acolhida dela, o gato rajado entra na cozinha e rapa o resto de whiskas do pote.

Fim de tarde, a cobra coral, devidamente registrada no post abaixo.

Início de noite, os sapos gorduchos voltam à varanda, forçando a entrada na casa via porta da cozinha.

Já passou da hora de chamar a turma do Globo Repórter pr’uma edição especial.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dos reinos vegetal e animal

Começo a entrar na fase em que o tsunami vai virando uma marolinha. Volto muito em breve.

Enquanto isso, brindo vocês com exemplares dos dois reinos.



Recém-colhidas, produção de nosso recanto. Verdadeira orgia de bananas nas refeições, a partir de hoje.


A anaconda que surgiu esta tarde, na porta de casa. Emoções fortes, por aqui não faltam.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

André Dahmer encontra Drummond


Desenhista de humor quase sempre ácido, André Dahmer tem aqui um momento lírico, e dos mais bonitos. A tira me remeteu a um conto (ou crônica?) de Drummond, se não me engano do livro Cadeira de Balanço. Na história, seres de outro planeta chegam aqui, convivem um pouco conosco, observando nosso modo de vida. A certa altura, um deles diz a um terráqueo:

- Bem, vocês ainda fazem concursos de miss, por aqui. Mas isso passa...

Nomes

Há quatro anos, eu fazia minha pré-estreia na rede, no site Blônicas. Era uma croniqueta intitulada Nomes. Tempos depois, saiu a segunda versão, a que apresento abaixo.

Textos requentados, sei disso. Mas relevem, é só um período de entressafra.

***

Nomes (2)

Em Igarapava, interior do estado de São Paulo, o calçadão onde as pessoas fazem suas caminhadas matinais, foi apelidado de Gordovia. Na mesma cidade, o bairro em que a COHAB construiu casas sem a porta do fundo passou a ser conhecido como Pega Ricardão!

No Rio de Janeiro, três batismos curiosos: 1) a Praça Pióx, corruptela de Pio X; 2)o Triângulo das Bermudas, região em que há três prédios, o do BNDES, o da Petrobras e o do extinto BNH – diziam que ali era onde o dinheiro do povo se perdia; 3) Piranhão. Prédio administrativo da prefeitura situado na área onde ficava o meretrício.

Em Salvador, o trecho de um viaduto em que há altos e baixos mais abruptos é conhecido como o Gozo de Virgem.

Se você estiver dirigindo em Santa Catarina, e lhe indicarem que pegue a Briói, lembre-se: trata-se da BR-101.

Em Sampa. O Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera, escultura em que índios, negros e portugueses puxam uma canoa usada pelos bandeirantes, é conhecida com o nome de Deixa que eu empurro. Para ter uma idéia da popularidade do nome, ele consta de um roteiro turístico de uma agência na capital.

Ainda em Sampa. Unidade de hospital voltado à saúde feminina. É o popular Xoxotão.

Portugal dá sua contribuição: Nossa Senhora da Graça dos Degolados (Alto Alentejo), Venda-de-Raparigas (Estremadura), Lama do Orelhão (Trás-os-Montes).

Em Uberlândia, MG, o Bar Merindus, aberto em frente à agência do finado Bamerindus da cidade, por um bancário recém-demitido pelo banco. Meses depois, pressionado por uma ação na Justiça, o proprietário foi obrigado a trocar o nome do estabelecimento. Não fez por menos: rebatizou-o para E o Banco Levou.

Mais nomes de estabelecimentos, interior afora: Bar Chove lá fora – Aqui dentro só pinga, Borracharia Prego Amigo, Restaurante Pantagruel, Edson Celulares.

Davida, uma organização não-governamental que atende prostitutas, criou uma grife de roupas com o nome de Daspu. Referência clara à loja da elite paulistana, a Daslu (nas palavras de um jornalão paulistano, “o maior centro de luxo do país”).

Pratos e produtos. Moelas de Galinha Solteira, Filé à Camões (com um só ovo), Lingüiça Queima-Rosca (levemente apimentada e tostada), Carvão Joana D’Arc.

Em Vila de Santa Rita, Alagoas, a Lanchonete Maria Furadinha. O lugar pertence a uma bela cozinheira que, certa vez, foi esfaqueada 17 vezes pelo namorado ciumento. Sobreviveu e abriu o bar.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Festa do Livro na USP

12ª Festa do Livro da USP oferece obras de 133 editoras com desconto

Tem início hoje a 12ª Festa do Livro da USP, na Cidade Universitária, no saguão do prédio da História e Geografia (av. Prof. Lineu Prestes, 338, Butantã; tel. 3091-1617).

A feira permanece aberta das 9h às 21h e vai até a próxima sexta-feira, dia 26. Todas as obras são vendidas com pelo menos 50% de desconto.
O evento reúne 133 editoras, entre elas, Companhia das Letras, Cosac Naify, Conrad, Paz e Terra, Globo, Publifolha, Taschen, Instituto Moreira Salles, Martins Fontes e Editora 34. Também participam editoras ligadas a instituições universitárias do país, como as da UEMG, Unesp, Unifesp, Eduerj e a própria Edusp, responsável pela realização do evento.
Entre as instituições ligadas à USP, encontram-se as editoras Humanitas, do Instituto de Estudos Avançados (IEA), Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), entre outras.

***

A dica é preciosa. Não é todo dia que rola um descontão desses. Tá certo que, na última vez que lá estive, o stand de certas editoras lembrava a cena dos refugiados albaneses chegando na Itália. Mas se você for preparado psicologicamente, não tem crise.

Passione: Mais mistérios

Taí um teledrama que poderia fazer render uma mini-série de posts como este. De 73 (ops!) capítulos.

Mistério insondável: a rica família paulistana é dona de uma metalúrgica, a maior do país, que fabrica bicicletas. Nesta empresa, há um departamento de... moda. Isso mesmo: gerenciado por uma estilista.

Como assim!?, pergunta você. Também fiquei encafifado.

Só que desta vez rolou um insight, um mini-clarão. Os produtos desta fábrica e os da indústria da moda, no fim das contas, são os mesmos: as magrelas.

Faz sentido?

sábado, 20 de novembro de 2010

Mais simples

Uma canção de José Miguel Wisnik, gravada em seu primeiro CD, que pede apenas uma audição atenta. Vale muito a pena ouvir, também, a versão de Zizi Possi, em seu disco Mais Simples, de 1996.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Intervalo comercial

Às vezes, demora pra cair a ficha. Mas quando cai, vem o fichário inteiro junto.

Há alguns dias, um de meus manos se inscreveu como vendedor no sebo Estante Virtual, uma fonte excelente, de onde já bebi várias vezes. Colocou dezenas de livros à venda. Tem um ótimo material ali, e por um precinho bem camarada. Se quiser conferir, dê uma espiadela aqui.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Breve recado...

aos meus dois ou três leitores. Só pra dar uma satisfação a vocês.

O bicho está pegando, por aqui. Submergindo em meio ao trampo. Isso porque, há cerca de três semanas, era o ócio puro. Não dizem que se o mar está calmo demais, é porque aí vem coisa?

Como veem, não tenho assunto. Tampouco novidades. Mas volto logo, assim que conseguir voltar à superfície.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Santa tecnologia, Batman!

É ela que me permite turbinar musicalmente posts antigos, como esse. Fernando Pessoa, para terminar bem a semana.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

1, 2, 3... som

Na edição número 10 da série "Cancioneiro", em final de setembro (consultar arquivo ao lado), foi ao ar "Oriente", de M. Faraco. Testando. Vejam aí, se dá pra ouvir.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cancioneiro (11)

Vou comprar dois automóveis
Um pra mim outro pra ti
Vou comprar mais dois imóveis
Um pra mim outro pra ti
Mas isso não constrói nada
Porque o que você precisa
Não se pode comprar
Porque o que você precisa
Não se encontra num bar
Porque o que você precisa
É muito sim, é muito singular

Eu sou teimoso
Eu vou comprar dois automóveis
Um pra mim outro pra ti
Vou comprar mais dois imóveis
Um pra mim outro pra ti
Vou jogar toda esperança
Numa conta de poupança
Pra você gostar de mim

Vou levar você pra Copa
Vou lhe mostrar toda a Europa
Pra você gostar de mim

"Pra você gostar de mim", de Vital Farias. Álbum Rita Ribeiro, Velas, 1997.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Passione: Mistérios

A época em que Silvio de Abreu e sua equipe (mais três, me parece) escreveram o roteiro do teledrama é anterior à invenção da chave, das trancas e do interfone usado nos prédios?

domingo, 7 de novembro de 2010

Sem crédito

Ônibus: um excelente laboratório para a observação da espécie. Nele, nossa fauna revela toda a sua exuberância. Toca o celular da moça ao lado:

– Alô? Oi, Vanessa. Tudo bem? Desculpa, mas não deu tempo de atender, eu tava falando no outro celular. Tudo tranquilo? (...) É, liguei, sim, faz uns dez minutos.
– (...)
– Ah, nada de urgente, não. É que eu tenho um crédito, dos bônus que a operadora me deu, e tenho que usar.
– (...)
– É, hoje é o último dia, senão eu perco tudo. Então, tudo bem aí?
– (...)
– E aí choveu também, agora há pouco?
– (...)
– Nossa, aqui tá muito estranho, deu uma pancada, parou, e agora já tá ventania de chuva de novo.
(Bafo de tarde de verão em São Paulo. Não sopra uma mísera brisa)
– (...)
– Então, amiga, já te falei: nada demais. É que está acabando, os créditos no celular.
– (...)
– Peraí, já te ligo, já já. O outro celular tá tocando.
– (...)
– Isso, me liga, sim, amiga. Não, melhor: eu te ligo mais tarde. Tenho que aproveitar os créditos. Senão vou perder.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Finados

1- No dia 02 de Janeiro de 2011, um senhor idoso se aproximou do Palácio da Alvorada e, depois de atravessar a Praça dos Três Poderes, falou para o Dragão da Independência que montava guarda: "Por favor, eu gostaria de entrar e entrevistar o Presidente Serra."
O soldado olhou para o homem e disse: "Senhor, o Sr. Serra não é presidente e não mora aqui."
O homem disse: "Está bem." E se foi.

2- No dia seguinte, o mesmo homem idoso se aproximou do Palácio da Alvorada e falou com o mesmo Dragão: "Por favor, eu gostaria de entrar e entrevistar o Presidente Serra." O soldado novamente disse: "Senhor, como lhe falei ontem, o Sr. Serra não é presidente e nem mora aqui." O homem agradeceu e novamente se foi.

3- Dia 04 de janeiro ele voltou e se aproximou do Palácio Alvorada e disse ao mesmo guarda: "Por favor, eu gostaria de entrar e entrevistar o Presidente Serra."
O soldado, compreensivelmente irritado, olhou para o homem e disse: "Senhor, este é o terceiro dia seguido que o senhor vem aqui e pede para falar com o Sr. Serra. Eu já lhe disse que ele não é presidente, nem mora aqui. O senhor não entendeu?"
O homem olhou para o soldado e disse: "Sim, eu compreendi perfeitamente, mas eu adoro ouvir isso!!!
O soldado, em posição de sentido, prestou uma vigorosa continência e disse: "Até amanhã, senhor!"

***
PS: Esse foi apenas um Plantão de Notícias NPL. Volto dia 8, e com novidades.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nas coxas

Bem que tento me concentrar na prancha e na onda. Mas esta é irresistível.

Deu no jornalão:

Palmeiras: Coxa ameaça tirar Valdívia do duelo ante Atlético-MG.

Paira, diante do leitor aterrorizado, a imagem de uma coxa gigante, arreganhando os dentes. Medo.

Isso porque nas redações impera o bordão “manchete boa é a que cabe”.

domingo, 24 de outubro de 2010

Só mais uma coisinha...

Antes de ir, deixo este texto, com um link.

O spa de Valentina

Nada como o equilíbrio da natureza. Basta sua dona deixar a casa por alguns dias, a felina para de comer feito desesperada. Olhar fixo no horizonte, sonha com a volta da barriga sobre a qual voltará a ronronar. E, enquanto devaneia, jejua. Com isso, livra-se, em parte, da banha acumulada nos últimos anos. Banha que lhe impede de dar saltos mais elásticos e de ter pleno êxito em suas caçadas.

Já que a Mulher estará fora por período prolongado (Circuito SESC de Artes, um projeto bem bacana interior adentro; confira seu percurso e crônicas de viagem, aqui), Valentina tem a preciosa chance de recuperar o corpo esbelto e elegante que um dia já teve.

É esperar pra ver. Em breve, neste espaço, as duas fotos justapostas, “antes” e “depois”.

***
Agora, sim. Até novembro.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Pausa

Um tsunami de trabalho se avizinha. Vou lá pegar essa onda e já volto. No início de novembro. Até lá.

De Márcio Faraco para Carlinhos Brown (final)

Vilã manada
nada ouviu
do ouro do povo do Brasil



Além de evocar a irracionalidade do público, manada também remete a um grupo numeroso de pessoas passivas, acríticas. É comum que, ao fazer parte do coletivo, o homem tenda a abdicar de sua capacidade de discernimento, delegando-a ao grupo. As decisões deste passam a ser soberanas, em detrimento daquelas tomadas pelo indivíduo, que busca preservar sua imagem perante os demais. Sua identidade é, portanto, diluída.

A questão da identidade, com efeito, é retomada:

Jogando uma pedra no espelho
Não vou deixar de ser o que sou


Que imagem temos de nós mesmos? Aceitamos nossa identidade? Em que medida nosso “complexo de vira-lata” está sendo alimentado? Ainda nos divertimos com frases do estilo “Este país tem saída: Galeão e Cumbica”? Prestando ou não atenção ao “ouro do povo do Brasil”, não há como fugir do espelho. Ele segue refletindo nossa imagem, com a qual temos de lidar.

Não quero ver mais uma vez (...) a nação no corredor polonês. Curiosa, a definição dada pelo dicionário Houaiss para “corredor polonês”: “uma brincadeira [grifo meu] entre crianças, em que se forma uma passagem estreita formada por duas fileiras paralelas de pessoas que batem com as mãos, pés e/ou com objetos no indivíduo que, por punição, castigo ou brincadeira, deve atravessá-la”.

Brincadeira? A questão é identificar, em meio às vaias e à saraivada de garrafas, o limite entre o componente lúdico e o sádico. É oportuna, a lembrança do assassinato, em 1997, do índio Galdino Jesus dos Santos, em Brasília, por um grupo de adolescentes que, após ter ateado fogo em seu corpo, declararam no Tribunal de Justiça que tinham somente a intenção de “fazer uma brincadeira”. Faraco, ao registrar de modo poético o lamentável episódio do Rock in Rio, evoca nosso passado recente.

Elementos musicais reforçam o sentido do texto. É o caso do ritmo acelerado da canção, com o baixo participando ativamente da linha melódica, a percussão em primeiro plano. Duas referências sutis aqui: o ritmo reforçando a homenagem a Carlinhos Brown, cuja música tem forte base percussiva, e a alusão ao frenesi da cena relatada pelo compositor. Ritmo que faz eco à agitação e ao tumulto retratados no texto da canção.

Sincronicidade, e das finas: minutos depois de terminar este texto, abro a porta de casa* e deparo com uma garrafa de água mineral largada sobre o canteiro. Canteiro transformado em lixão a céu aberto, e repare só com que objeto... A agressão a Carlinhos Brown é a mesma de que sou alvo. É uma mera questão de grau.


* À época, na Pompéia, em Sampa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A British accent

Venho para a lan trabalhar um pouquito, e na cabine ao lado um inconfundível inglês conversa via Skype. Olha para o horizonte (Avenida Paulista, no caso) e fala de seus negócios com brasileiros com a naturalidade de quem toma seu Ceylon Tea, recebendo visitas. Tento me concentrar, mas o sotaque é bonito demais pra que eu preste atenção noutra coisa além do que ele diz. Percebo-o inquieto, agora: começa a se coçar e a balançar freneticamente as pernas. Provavelmente sacou que virou tema do post. Melhor parar por aqui. Pode ser um hooligan disfarçado de lorde, vai saber.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

De Márcio Faraco para Carlinhos Brown (1)

Escrevi este texto há cerca de três anos, para uso numa oficina sobre música popular que dei em Mogi das Cruzes. Relendo, voltou à tona o prazer que senti ao dar o curso. Compartilho, portanto, com meus leitores. Na sexta-feira, levo a segunda parte ao ar.

***
Chuva de Vidro, de Márcio Faraco. (CD Com tradição, Universal Music France, 2005)

Em frente à multidão alucinada
Eu escolhi o seu lado
Aí levei garrafa

Disseram, disseram que era o dia errado
Mas qual o dia certo
Nesse mundo virado?

Visavam seu corpo em movimento
Mas ali naquele momento
Acertaram nossa alma

Olha a garrafa no ar!

Chuva de vidro
Pedras do Rio
Água na Barra
Assovio
Vilã manada
Nada ouviu
Do ouro do povo do Brasil

Vivi pra ver esse pesadelo
Não quero ver mais uma vez
Verões de tempestades de gelo
E a nação no corredor polonês

Jogando uma pedra no espelho
Não vou deixar de ser o que sou
Um violeiro é um violeiro
E o baião não é rock and roll


Faraco dedicou esta canção a Carlinhos Brown. Convidado para cantar no festival Rock in Rio, janeiro de 2001, Brown subiu ao palco na mesma noite em que tocariam as bandas Oasis e Guns’n Roses. Partiu dos fãs desta última a saraivada de garrafas d’água na direção do cantor, enquanto ele, que descera uma passarela em meio ao público, cantava seu hit A namorada.

Disseram que era o dia errado. Muito se falou a esse respeito. Surgiu, entre outros, o comentário de que Brown jamais deveria ter sido escalado para tocar naquela noite, para um público como os fãs de Guns n’Roses. Sua declaração sobre estar no “dia errado”: “Eu tinha de estar ali naquela noite, para passar o meu recado àquela molecada, que infelizmente renega a música de seu país".

Pedras do Rio
. Clara referência ao nome do festival, Rock in Rio. Dentre as várias acepções da palavra inglesa rock (balanço, embalo, apoio, amparo, rocha, rochedo, penhasco), Faraco optou pela analogia com as pedras: garrafas voavam na direção de Carlinhos Brown, numa nítida evocação ao ritual de apedrejamento que ainda existe em países muçulmanos.

Água na Barra. O verso é pronunciado com as sílabas escandidas. Há um trocadilho auditivo, aqui: além da clara alusão ao bairro carioca, a impressão é que também se ouve A Guanabara. Impressão reforçada pelo fato de o “erre” receber uma pronúncia intermediária entre aquela dada às palavras com dois “erres” e às de um só. Notar que no encarte bilíngue (português-francês)*, ao lado desse verso consta “Jets de bouteilles d’eau à Barra”, ou seja, “arremesso de garrafas de água na Barra”, bem como a referência à Barra como bairro carioca. Se na tradução para o francês a poesia e a prosódia do verso foram perdidas, em contrapartida o episódio foi contextualizado para o ouvinte/leitor francês.

* Caso você queira ouvir a canção, terá de importar o CD. Apenas “Interior”, o segundo de seus cinco discos, foi lançado no Brasil, pela Biscoito Fino.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Eles dão o troco

Entreouvido em ônibus de Sampa.

– Cobrador, ele passa na Heitor Penteado?
– (com ar de enfado) Se não quebrar...

(...)

– Cobrador, este passa no Shopping Anália Franco, não passa?, pergunta a coroa, toda emperiquitada, com toda a pinta de que está usando transporte público pela primeira vez na vida.
– Não passa, não.
– Ah, eu não a-cre-di-to!
– Bom, se a senhora não acredita, aí já é problema seu...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nóis não usa as Bleque Tais

“Sou o único compositor que cria polêmica nas escolas; os professores ficam discutindo com os alunos as minhas letras e ensinando que é assim que fala, mas não é assim que se escreve.

(...)

Pode vir vinte Mobral, todos continuarão a falar errado. O povo fala assim. A maioria fala errado. De vez em quando, ao falar com um doutor, eu posso até falar ‘nós devíamos...’ Mas é raro, é esquisito.

(...)

Pra escrevê uma boa letra de samba, sentida, humana, a gente tem que sê, em primeiro lugá, narfabeto."

Em Adoniran – Dá licença de contar..., de Ayrton Mugnaini Jr., Editora 34, 2002.

Ontem mesmo, Adoniran era cantado por Passoca no Som Brasil, da TV Cultura. Primoroso, o álbum que ele gravou com inéditas do Rubinato.

Falando em TV Cultura, a informação agora é oficial, consta no site deles: a Mulher estará no Entrelinhas deste domingo, 21h30. Também entrevistada, Ana Maria Machado.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Das minas (e dos manos)

Os tubarões e os profissionais da mídia respiram aliviados. Terminada a Copa do Mundo e num período eleitoral relativamente chocho, que não proporciona grandes emoções, nada como dirigir os holofotes ao resgate dos mineiros chilenos. Com direito a cenas dignas de Indiana Jones. Muito em breve, o assunto terá rendido livros, filmes, DVD e mini-série.

Vale o mote de sempre: O show deve continuar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Escreva ou Morra

Acabo de descobrir um site de enorme valia para jornalistas, escritores, tradutores e qualquer profissional cujo ganha-pão vem das letras. Ou mesmo para estudantes, de qualquer nível, com alguma tendência a empurrar prazos com a barriga. Falo do site “Write or Die”, aqui.

O objetivo, ali, é incutir medo em quem escreve. Medo de que o texto não será escrito dentro de determinado prazo. Para tanto, baseados em princípios da Psicologia, como o Reforço Negativo (assim eles explicam), os idealizadores do site criaram neste programa uma série de consequências para quem não está produzindo a contento. Lembrando que, ao iniciar o trabalho, você informa ao programa o tamanho do texto, quanto tempo tem para terminá-lo e por aí vai. Segue uma tradução livre, minha, de tais consequências (que podem ser perversas):

- Modo Delicado: Algum tempo depois de você ter parado de escrever, surgirá uma mensagem pop-up, lembrando, de maneira delicada, que você deve continuar a escrever.

- Modo Normal: Se você insistir em evitar a escrita, ouvirá um sinal sonoro bastante desagradável. Som que irá parar somente se você continuar a escrever.

- Modo Camicase: Continue a escrever, ou o seu texto começará a se autodeletar.

Consegue imaginar seu texto sendo automaticamente deletado, e ainda por cima com um apito? Benzadeus.

Mas olhemos pelo lado positivo: talvez seja a ferramenta ideal para quem trabalha relativamente perto da geladeira, de telefones celulares e quejandos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Índigo Press

Neste domingo, às 21h30, entrevista com a Mulher no Entrelinhas, da TV Cultura. Confira lá.

Bienal

Do além, por meio de seu blog, Marcel Duchamp troca um lero com Zeca Baleiro, compositor da canção que segue.

Desmaterializando a obra de arte do fim do milênio
Faço um quadro com moléculas de hidrogênio
Fios de pentelho de um velho armênio
Cuspe de mosca, pão dormido, asa de barata torta

Teu conceito parece, à primeira vista,
Um barrococó figurativo neo-expressionista
Com pitadas de arte nouveau pós-surrealista
Ao cabo da revalorização da natureza morta

Minha mãe certa vez disse-me um dia,
Vendo minha obra exposta na galeria,
"Meu filho, isso é mais estranho que o cu da gia
E muito mais feio que um hipopótamo insone"

Para entender um trabalho tão moderno
É preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno,
Multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone,
Reinvento o céu e o inferno

Minha mãe não entendeu o subtexto
Da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto
Chego a um resultado estético bacana

Com a graça de Deus e Basquiat
Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá
Uma psicodélica baiana

Misturarei anáguas de viúva
Com tampinhas de pepsi e fanta uva
Um penico com água da última chuva,
Ampolas de injeção de penicilina

Desmaterializando a matéria
Com a arte pulsando na artéria
Boto fogo no gelo da Sibéria
Faço até cair neve em Teresina
Com o clarão do raio da siribrina
Desintegro o poder da bactéria

“Bienal”, de Zeca Baleiro. Álbum Vô Imbolá, 1999.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um tique



Não consigo topar com uma estante sem inclinar a cabeça para reparar nas lombadas: ver o que faz parte do cardápio daquele leitor. É quando descubro afinidades, crio pontes. Notei que, neste caso, o Mestre está presente.

(Foto tirada do site desta artista, aqui.)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Colírio

Bendito ócio, que me permite descobrir, em período de entressafra de trabalhos, blogs como este. De preencher a alma e fazer brilhar as pupilas de qualquer um. Taí, a dica da semana.

Tiririca, rinocerontes e o mundo animal

Provoca espanto, entre alguns, o 1,3 milhão de votos que o palhaço Tiririca recebeu na eleição de domingo. Não me causa mínima surpresa, o fato. Por dois motivos.

1. Não é de hoje que espécies exóticas – da fauna, entre outros meios – frequentam a política. Em artigo na CartaCapital, um professor da UFMG lembra que a cidade de São Paulo já elegeu um rinoceronte para a Câmara dos Vereadores. Numa candidatura lançada como brincadeira por um jornalista, o animal recebeu mais de 100 mil votos em 1959.

2. Há alguns meses, uma reportagem n'O Globo mostrou a prática corrente de alguns deputados na Câmara. Um repórter foi destacado para observar a movimentação à saída do Congresso em Brasília, nas manhãs de sexta-feira. Um outro jornalista era enviado ao aeroporto da cidade. Constatou-se que alguns deputados vão ao plenário, registram o ponto, e seguem diretamente para o aeroporto, onde pegam o voo para seus estados de origem. Claro que recebendo normalmente o salário pelo dia trabalhado.

Quem, exatamente, é o palhaço?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Pequeno Nicolau

Uma vez mais, hesitei antes de entrar no cinema. Isso porque assistir a um filme baseado num livro quase sempre acaba em frustração, no meu caso. Não porque eu espere fidelidade à obra original; isso é bobagem, já que se trata de duas linguagens distintas. Justamente quando a fidelidade é cega é que o filme fica previsível. O essencial é que o espírito do livro seja preservado. É o que acontece com O Pequeno Nicolau, um delicioso filme baseado na série de Goscinny – ilustrada por Sempé. Algumas sequências são nitidamente retiradas do texto original, mas há várias invenções no roteiro, todas elas bastante fiéis à natureza travessa de Nicolau e turma. As atuações são memoráveis, incluído aqui todo o elenco-mirim (quando as comparamos à interpretação de algumas crianças, em nosso cinema e televisão, fica visível nossa distância de anos-luz dos franceses).

Sem contar que o filme termina de modo comovente, numa cena em que Nicolau assume o papel de alter ego de Goscinny. Belíssima adaptação, num filme que, assim como o livro, agrada a gente de todas as idades.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dia de caça



Se o miado é muito diferente do conhecido, é batata: Valentina voltou da mata trazendo um quitute. Mini-morcego, beija-flor ou camundongo, os itens principais do menu. Saio na varanda, ali está ela, um roedor entre os dentes. Esperneando. Em vão. Ela segue na direção da cozinha. Sim, não basta caçar, sente a necessidade de trazer o troféu pra dentro de casa, atirando a presa diante de nós, como a dizer “Não punham fé em mim? Olhaí”.

Fecho portas e janelas, disposição nenhuma para recolher animal morto. A gata se dedica, então, ao seu passatempo. Solta o bicho, que sai cambaleando. Ela acompanha. Dá outra patada. Ele vai às cordas, por assim dizer. Percebo que Valentina, uma senhora já entrada em anos, tem o jeitão de ter sido agente do DOPS, numa encarnação recente.. Raramente mata. Mas aprecia uma boa tortura. Vai lá, abocanha o bicho. Larga. Dirige a ele um olhar falsamente blasé, do estilo nem te ligo. Outra patada. Desesperado, o camundongo busca a fuga.

Até que, percorridos bons metros terreno afora – eu de espectador, só monitorando –, o animal descobre uma toca. Estropiado, mas se safou. Ela se posta de guarda, durante minutos. Fim da caça. Minutos depois, Valentina se esparrama na cozinha, certa de que honrou seus ancestrais selvagens.

Quem diria que a poucos passos de meu escritório eu teria o ambiente ideal para cenas do Animal Planet.

(Imagem tirada daqui)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Liberte um livro

A cada vez que deparo com projetos de estímulo à leitura, me pergunto: que eficácia terá isso? Ainda acho que o verbo “ler”, assim como “sonhar” e “amar”, não comporta o imperativo. Digamos que o adolescente tem pais que não leem, e que sua sala não tem sequer uma estante com livros. Um projeto do município ou do Estado terá condições de incentivá-lo a ler?

Taí, breve introdução pra dar a dica de um site bem bacana, esse aqui. A ideia é fazer os livros circularem. Leia, entre no site, imprima uma folha para colar na capa interna com o código do livro, e pronto: ele está pronto para ser “libertado”, em lugar público, numa praça, numa lanhouse etc. No site, o livro que você libertou estará registrado sob um código, e você pode acrescentar informações sobre quando e onde o deixou.

Uma ideia pra lá de interessante, e a solução definitiva para aqueles livros que estão pegando poeira na estante, e que, como você bem sabe, só serão (re)lidos na próxima encarnação.

Em tempo: no momento em que escrevo, o site conta com 5.220 livros libertados. Pouco, mas um excelente começo.

Cancioneiro (10)

Os olhos do oriente
Velados ao mundo da gente
Só vêem o sol e os céus

Olhos ardentes de amor
Amordaçados estão
Feito prisioneiros
Do olhar de Deus

Mas vêem, os olhos vendados
Os olhos vidrados não
Olhos fechados pra ver
Abertos à imaginação
Olhos abandonados até pela solidão

Quem olhará por estas mulheres
Escravas silenciosas
Costurando o manto
Que lhes servirá de prisão?

“Oriente”, de Márcio Faraco. Álbum Com Tradição, 2004.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os afluentes e o rio

Levei um bom tempo para elaborar a lista abaixo, com os autores que me marcaram profundamente. Isso porque quis evitar qualquer afetação. Nada de mencionar autores pelo mero fato de se tratar de um “clássico”, nada de ceder a cutucões do ego. Não, este é meu cânone particular e único.

Em ordem alfabética: Rubem Alves, Woody Allen(*), Matthew Appleton, Machado de Assis, Jon-Roar Bjѳrkvold, Ignácio de Loyola Brandão, Joseph Campbell, Charlie Chaplin(**), Dostoiévski, Gandhi, Índigo, Carl Jung, Janusz Korczak, Krishnamurti, Rodrigo Lacerda, Rosa Montero, Thomas Moore, A.S. Neill, Mário Quintana, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Leon Tolstoi, Donald Walsch e P.G. Wodehouse.

Fato é que, para mim, tais autores são afluentes de um rio caudaloso: Osho. Este indiano sintetiza, e com maestria, uma enorme parcela daquilo que deixou marcas indeléveis em minha trajetória de leitor.

A ironia é que ele jamais escreveu um livro sequer. Toda a sua bibliografia – são mais de 200 livros, 74 dos quais estão disponíveis em português (ver aqui) – consiste em transcrições dentre mais de 5 mil horas de palestras dadas ao longo de 35 anos.

(*) Entrevistas com Eric Lax, no livro Conversas com Woody Allen (Cosac Naify).
(**) Sua autobiografia

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A frase do semestre

“Não digito 45 nem em telefones”.

Personagem de André Dahmer, em seu blog.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ECT: economia no envio de livros

É comum, em nosso país, que as informações que beneficiam o cidadão sejam ocultadas. Por isso, é da maior importância, a divulgação dessa notícia. A menos que você considere que os valores cobrados pelos Correios, no envio de livros, sejam realmente baratos. Detalhes, no site Viaje na Leitura, aqui.

Por que voto Marina

Estava praticamente decidido a anular meu voto, quando assisti à entrevista de Marina Silva no Roda Viva. Mudei de ideia, no mesmo dia. Conversando com várias pessoas, percebo que elas têm bastante simpatia pela candidata do PV, mas dizem que não votam nela. São basicamente três, os argumentos apresentados:

1. Marina é uma ótima candidata, mas para daqui a 4 anos. Não para agora. Não está madura, dizem. Ainda se mostra radical. Argumento um tanto quanto abstrato. Juro que não entendo o que quer dizer isso, e a argumentação deles tampouco é convincente. Lembro que um temor parecido acometeu grande parte dos eleitores em 1989 (o Sapo Barbudo) e em 2002. O fato de o PV não ter feito alianças talvez contribua para reforçar o temor.

2. Além de ser evangélica, Marina é favorável ao ensino da teoria criacionista nas escolas. Um argumento que é fruto da ignorância, do preconceito e da intolerância religiosa – gostamos de acreditar que o sincretismo nos faz especiais diante do mundo, mas, assim como o racismo, nossa intolerância é dissimulada. Embora predominantemente católico, nosso país é laico. Portanto, é ingênuo acreditar que, uma vez eleita, ela seria teleguiada pelos evangélicos, no que se refere às políticas públicas. Não estamos no Irã. Sobre o criacionismo, Marina já declarou diversas vezes que defende, simplesmente, que os alunos tenham acesso a esta teoria juntamente com o evolucionismo. Propõe, portanto, a convivência pacífica, não a exclusão.

3. Não voto nela porque não tem chances; veja as pesquisas, tem apenas 10% das intenções de voto. Além de frágil, um argumento que se baseia no medo e no eterno apego ao que é familiar e conhecido. E apaga da memória fatos importantes, como a arrancada final de Luiza Erundina, na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 1989, contra Paulo Maluf, quando todas as pesquisas apontavam a vitória deste.

Além das contra-argumentações acima, pesam muitíssimo a seu favor alguns fatores: 1) o fato de ser a única candidata com uma chapa coerente. São reais, as afinidades entre ela e seu candidato a vice, Guilherme Leal (para saber mais, leia o perfil dele, na revista piauí deste mês). Honestamente, não consigo imaginar o país governado por Índio da Costa ou por Michel Temer, ambos transformados em candidatos por conveniência (alianças com DEM e PMDB = maior tempo no horário eleitoral). O leitor acha que não há esse risco? Ora, Itamar Franco e José Sarney – para ficarmos na história mais recente – não tiveram de assumir? Deste último, minhas lembranças não são das melhores; 2) Marina rejeita a atitude messiânica que se espera de um presidente eleito, para a resolução dos problemas. Afirma reiteradamente que não fará milagres, bem como a necessidade de dialogar com toda a sociedade, inclusive com aqueles frontalmente opostos às suas propostas; 3) Em assuntos espinhosos, como a liberação do aborto, abandona o moralismo e deixa suas convicções pessoais em segundo plano: é favorável à consulta da população, via plebiscito; 4) Em que pese o radicalismo de alguns setores de seu partido, lutar por um planeta habitável é tarefa nobre. Afinal, é de nossa casa que estamos falando.

Em tempo: sobre o porquê de anular o voto. Ao optar por Marina, exerci meu sagrado direito, o de mudar de opinião quando bem entender. A anulação, que virá num eventual segundo turno entre Dilma e Serra ou noutra eleição qualquer, é uma maneira de protestar. Que raio de democracia é essa em que se pune o eleitor que decide não comparecer às urnas? Refrescando sua memória, em relação às punições: corte do ponto para os servidores públicos, multa, cassação de direitos do cidadão, como o de prestar concursos públicos, ou até mesmo o de tirar passaporte. Práticas que talvez fossem comuns na URSS de Stálin, mas que ocorrem num país supostamente democrático dos trópicos. A propósito: é lamentável que a discussão sobre o voto facultativo seja virtualmente ignorada pelos candidatos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

No meio

No momento em que batuco estas linhas no teclado, meu filhote, acompanhado de seus trinta colegas de classe, está a caminho de MG. Visita às cidades históricas (adjetivo sem o menor sentido: existe alguma cidade “a-histórica”?).

Iniciativa louvável, a da escola. Ideia brilhante, não fosse por um detalhe. Não sei que porcentagem dessa viagem, de três dias, será dedicada ao desfrute puro. Mas é praticamente líquido e certo que, ao voltar, terão de escrever um relatório ou fazer uma prova, valendo nota. Enfrentando questões do tipo: quem foi o principal escultor do período barroco brasileiro? Onde estão suas obras? Etc etc. É o tal “estudo do meio”, expressão que me dá calafrios.

Lembro do relato de Matthew Appleton, sobre Summerhill. Diz ele que nesta escola não há segundas intenções: quando levam os alunos, por exemplo, para um passeio no bosque, é pelo passeio em si, não para estudar os tipos de planta, insetos e demais animais.

Ainda chegaremos neste estágio.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ouvir sem escutar

“Quando duas pessoas estão conversando, apenas observe seus rostos. Uma pessoa está dizendo algo, a outra já está se preparando para responder a isso; ela não está escutando. Eu ouvi contar:

Aconteceu em uma universidade, dois professores ficaram loucos. (...) Os dois eram amigos, foram colocados ambos no mesmo quarto do asilo. O psiquiatra que cuidava deles ficou surpreso com uma coisa: sempre que eles conversavam, um deles escutava muito atentamente, tanto como o psiquiatra nunca tinha visto qualquer pessoa fazer antes, e se mantinha quieto; um deles permanecia completamente calado e atento e escutando. E, quando o outro parava, então o que estava escutando pacientemente começava a falar. E o problema para o psiquiatra era este: o que eles diziam não se relacionava com um ou com outro em nada. Um deles falava sobre o céu e o outro falava sobre a terra, um falava sobre o leste e o outro falava sobre o oeste.

Eles não estavam relacionados em nada, nem mesmo em aparência; estavam totalmente sem conexão. Mas isso não estava certo, porque com pessoas loucas você espera por isso. Mas por que um deles sempre escutava tão atentamente, para quê?, visto que, quando falava, por sua vez, o que dizia era algo absolutamente diferente, não pertinente a nada, absolutamente fora de contexto.

O psiquiatra desejava muito saber, ele ficou curioso e indagou: ‘Uma coisa me deixa muito curioso: vocês escutam um ao outro muito atentamente, mas, quando falam, suas falas não se relacionam em nada. Então por que escutam tão atentamente?’.

Eles riram e disseram: ‘Nós sabemos as regras de conversação. Esta é uma regra de conversação: quando a pessoa fala, o outro tem de escutar. E, no que toca a segunda coisa – que o que nós dizemos não está relacionado – você já ouviu qualquer conversa que esteja relacionada?’”

A revolução – Conversas sobre Kabir, de Osho. Trad. Carlota Alice de Moura, Ed. Academia, 2008.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Capitulei (*)


Tem algo de magnético no teledrama de Silvio de Abreu, que me leva a admitir – sim, pela primeira vez desde Aritana, na finada TV Tupi, estou acompanhando a novela. Uma série de ingredientes. A eles, pois.

1. A altíssima concentração de canalhas e pilantras de toda sorte, por metro quadrado. Quanto maior a vilania, maior é o poder de atração de qualquer história.

2. Meus antepassados vêm da Bota. Fico ligado, portanto, no neo-italiano falado pelos personagens. Uma língua híbrida, que não existe nem na Toscana, nem na Mooca, nem na Festa de Aquiropita. Repare que as falas saem com interpretação consecutiva, tipo: “Sonno tuo padre! Sou teu pai!”, as frases sendo encaixadas em sequência.

3. Alguns temas dão pano pra manga: o adultério (motivado ou não pelo tédio no casamento), a exploração sexual das adolescentes, o uso de drogas. Nada brilhantemente discutido – seria esperar demais da tevê –, mas estão lá, e isso já tem o mérito de fazer com que se pense e fale a respeito.

4. Certas falas, sobretudo de personagens femininas, causam um espanto inicial: como pode a autoestima de alguém estar num poço assim fundo? A chantagem emocional, por sua vez, é onipresente. Mas o que soa caricato logo ganha ares de verossimilhança, já que por perto há sempre uma pessoa disposta a assumir o papel de vítima, a manipular, a propor jogos. Às vezes, a encontramos no espelho mais próximo.

5. Uma comparação interessante. Terminei, há pouco, a leitura de Núpcias de Fogo, de Suzana Flag (Cia. das Letras). Este é o pseudônimo usado por Nelson Rodrigues neste folhetim originalmente publicado no jornal em 1948. Como se sabe, o folhetim é o pai da radionovela, e avô da telenovela. Nelson dominava a arte de alimentar o suspense, no final de cada capítulo, o que Silvio de Abreu faz com eficiência. Tal qual em Passione, o fato de os personagens trabalharem, estudarem, ou terem uma atividade qualquer, é completamente secundário. Tudo o que interessa é quem fica com quem, quem perde quem. Curiosa sinc: a vilã em Núpcias, uma solteirona frustrada, tem o nome de... Clara.

Ah, faltou dizer. Àqueles para quem esse post pode me deixar “mal na fita”, respondo com Nelson Rodrigues: “Só os idiotas têm medo do ridículo”.

(*) Título com leitura alternativa: Capitu, lei, já que “lei” é “ela” em italiano. Um toque machadiano numa história recheada de casos de traição.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Temas-tabu na literatura infanto-juvenil

No caderno Sabático, do Estadão, uma matéria de Antonio Gonçalves Filho aborda o livro Crítica, Teoria e Literatura Infantil, de Peter Hunt, da Universidade de Cardiff (Cosac Naify, trad. Cid Knipel). Trata de uma questão importante: o fato de a literatura infanto-juvenil ser relegada a um segundo plano, pela academia. Afirma o autor: “Claro que não sabemos como uma criança lê, se ela o faz como uma experiência literária ou funcional, mas não vejo razão para que os livros de criança recebam menos atenção que uma obra de Shakespeare”. Uma outra matéria, de Raquel Cozer, publicada ao lado, destaca o expressivo crescimento do gênero no Brasil (entre 2006 e 2009, o segmento juvenil cresceu 256%, enquanto o infantil teve um aumento de 124%). Nada mau.

Atento para uma declaração de Hunt, sobre os supostos “finais felizes” das histórias destes livros: “’Claro, não acho uma boa ideia escrever sobre doenças terminais para o público infantil’, responde, ao se referir a livros como Vovô Esqueceu Meu Nome, de Nancy Grünewald, sobre um ancião que sofre do mal de Alzheimer”. A seguir, pergunta-se se “devemos ou não escrever” sobre o episódio da bomba atômica de Hiroshima.

A comparação é inevitável: o mais recente livro da Mulher é Gagá: memórias de uma mente pirilampa (Scipione), no qual o protagonista sofre “apagões” mentais. Terá algum pai, alguma mãe – ou professor responsável pela seleção de obras para trabalho em sala – também considerado este tema “inadequado” para as crianças (a indicação da obra, pela editora, é para leitores a partir de 9 anos)? Uma eventual censura ao livro de Grünewald – ou a Gagá – devido ao tema não implicaria um endosso à atitude corrente, de desprezo à velhice (fase a que muitos se referem usando eufemismos tolos como Melhor Idade)?

A declaração de Hunt, em si, daria uma excelente pauta, infelizmente não explorada pelo jornal: há temas-tabu, a serem evitados na literatura infanto-juvenil? Em que medida pode-se fugir da onda do politicamente correto, esta praga contemporânea que tem tolhido a criatividade de tanta gente?

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cancioneiro (9)

Zeca Baleiro, em dois momentos.

“Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro”.

“Bandeira”, do álbum Por onde andará Stephen Fry?, MZA Records, 1997.


“(...) Morrer de amor não é difícil, não
Se atirar do edifício
Viver de amor é que é difícil
Se atirar.”

“Xote do edifício”. Trilha sonora de Z.B. para o espetáculo de dança Geraldas e Avencas. Saravá Discos, 2007.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Osho, Krishnamurti e os rótulos

Sempre que entro numa livraria, tento imaginar quanta grana os editores e livreiros têm jogado pelo ralo, com a classificação por assuntos. Ok, isso dá ao leitor uma orientação geral – ainda que, segundo a lenda, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, já tenha sido catalogado na seção de Botânica por um bibliotecário incauto.

Num delírio de imaginação, tento visualizar uma livraria nos tempos de Leonardo da Vinci. Ou de Aristóteles. Tempos em que as áreas do conhecimento pareciam dialogar muito mais.

Mas divago. Por que o desperdício de dinheiro? É a terceira vez que deparo com esta situação. Imagine um livro intitulado Coragem. Seu apelo comercial é quase zero, não? Mistério: na edição original sai assim mesmo, Courage, sem subtítulos, e vende igual. Aqui, não. Deve-se explicar tudo ao leitor. No hemisfério norte, lançam um filme chamado Always, e o público sai de casa, compra o ingresso pra ver. Não aqui, onde ele ganha o nome de... Além da eternidade. Benzadeus.

Dei toda essa volta para falar deste livro essencial. Coragem, de Osho, mestre espiritual* indiano (Editora Cultrix, tradução Denise C. Rocha Delela), tem passado longe da atenção de muitos por pura inépcia do mercado editorial. Pois, ao ser catalogado, caiu na vala comum da “autoajuda” – sinônimo imediato, para muitos, de fajutice.

Segundo dados do IBGE, a porcentagem das pessoas “sem religião” cresceu de 0,7% em 1940 para 7,5% em 2000 (em poucas semanas, teremos a atualização destes dados). Um crescimento altamente significativo, que mostra como as religiões organizadas estão perdendo terreno, sem que as pessoas deixem de cultivar sua espiritualidade. Pois é justamente essa, a importância de autores como Osho e Krishnamurti (também editado pela Cultrix), leitura fundamental para quem tem disposição de percorrer os porões da alma.

(*) Assim chamado na contracapa do livro. É bem possível que, assim como Krishnamurti, ele rejeitasse o rótulo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Volta às aulas

Ao mudar para a roça, ano e meio atrás, saiu de cena o professor, dando lugar ao tradutor, que se alterna com o revisor de textos. Mas o vento sopra noutra direção, e retomei a docência, em tempo parcial. Instantes de apreensão: era forte, a desconfiança de que a capacidade de falar outro idioma estaria coberta por espessa camada de ferrugem.

Não deu outra: no início da aula – eram apenas duas alunas –, me senti o próprio impostor. As palavras e expressões mais básicas pareciam surgir de um vale profundo. De uma língua em que fui fluente numa encarnação recente. Sudorese, a reação do corpo. Muita água, para compensar. E não é que o tormento durou não mais que meia hora? Bastante à vontade, já na segunda metade da aula.

Vá entender os processos da mente.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Quantos mil?

“Aproveito a chance e informo que recebi uma propaganda por e-mail. O 'assunto' era 'propostaserra' (não vou publicar o endereço; sou um cara educado). Pediam-se sugestões. Dei duas: a) em vez de colocar dois professores em cada sala de aula, diminuir o número de alunos em cada uma; b) informar, durante o programa eleitoral, em que condições o candidato se aposentou na Unicamp (12 mil por mês, segundo informou há algum tempo Mônica Bérgamo, sem nunca ter sido desmentida)”.

Da coluna de Sírio Possenti (professor de Linguística da Unicamp), hoje no Portal Terra.

Em tempo, me antecipando ao arremesso de tomates: não sou dilmista, marinista, nem qualquer tipo de –ista .

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Direitos imprescritíveis do leitor

1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível).
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de se calar.

Como um romance, de Daniel Pennac (tradução Leny Werneck), Rocco e L &PM Pocket, 2008.

Precioso, este livrinho. Para quem cultua o livro como objeto de prazer. Nas últimas vinte páginas, o autor fala detalhadamente sobre estes dez direitos.

Dos que tenho exercido com regularidade, o de nº 3 (nada como abandoná-lo sem piedade nem culpa, verdadeiro alívrio) e o nº 5. Taí uma lista que deveria ser afixada em toda escola do planeta – o direito nº 10 merecendo negrito ou caixa alta. Pois a quimera que alimento é estar vivo no dia em que, nas escolas, o aluno poderá pura e simplesmente apreciar – ou detestar – um livro, sem tem de explicar o porquê.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O globês

Versão simplificada do inglês, chamada de “globish”, que contém apenas 1,5 mil palavras, é a nova moda. Seu objetivo é facilitar a comunicação para quem não tem o inglês como língua materna. Criação de um diretor de marketing de uma multinacional.

Regras para falar o novo idioma: 1) Evitar expressões idiomáticas; 2) Evitar palavras difíceis; 3) Usar sempre a voz ativa, no lugar da passiva; e 4) Não fazer piadas (caberia aqui, o uso sistemático – ops, palavra difícil, a ser evitada – do “sarcasmômetro”, do qual falei, dia desses).

Bem, é fato que, para muitos falantes, a novidade não é grande coisa. Afinal, o vocabulário por eles utilizado no dia a dia não vai muito além de 1,5 mil palavras.

Imagine se a moda atinge o português. Além de extinguirmos expressões como “quebrar o galho”, “estar com a megassena acumulada”, “molhar o biscoito” etc, desapareceriam brincadeiras como as seguintes, de pronúncia: Diga rapidamente (idealmente, com sotaque português, ou carioca): “Se nevasse, você usava esqui?”, o som parecerá russo. Faça o mesmo com a frase “Feridas doem e ardem, hemorroidas idem”, parecerá alemão.

Na mesma linha, o célebre poema da rosa, cuja primeira estrofe é “No alto daquele cume / plantei uma linda roseira / A rosa no cume nasce / A rosa no cume cheira”, quando recitado, deverá ser entendido literalmente. Nada de risinhos dissimulados.

Uma ideia tão estimulante quanto a possibilidade de num futuro próximo, engolirmos pílulas, daquelas usadas pelos astronautas, substituindo as refeições.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Drops

1. Quebro o jejum de meses, e saio da toca para ver um show em Sampa. Ceumar, no Sesc. Dois detalhes que merecem registro: a) a quantidade de ceumaretes dispostas(os) a lotar um teatro numa noite de quarta-feira. À menor deixa da cantora, elas/eles cantam o repertório inteiro juntos. Ainda assim, momentos interessantes de interação entre artista e público; b) a onipresença dos carentes, dispostos a usar qualquer artifício para atrair uma mini-plateia. Fazendo do espaço público a extensão de seu próprio quarto. O grave é que não me refiro, aqui, aos adolescentes. É o tipo de atitude que estimula meu rápido retorno à toca. Talvez seja um caso de misantropia crônica.

2. Gafieiras. O link para o site já está na lista acima. Há tempos não passeava por ali, mas tive o clique quando escrevi sobre Tatit e Hélio Ziskind. Um endereço imprescindível para os amantes da boa música nacional, e verdadeira perdição se você é dos que navegam à deriva pela rede. Dica para os que dão de ombros ao papo furado de que “depois de Chico, Caetano e Gil, não se fez mais nada de interessante em nossa música”.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Meu dia de Dersu Uzala

Trabalho no micro, tarde de ontem. Súbito, ouço Flávio, o vizinho, berrar meu nome. Naturalmente histérico, ele, mas dessa vez seu tom de voz ultrapassava o normal.

“Vem cá, vem ver isso!”. Me leva até o terreno ao lado, aproximadamente 50 metros adiante da cerca que delimita nosso espaço. Fogo. Vários focos, aqui e ali. “Chamo os bombeiros?”, pergunto. “Esquece, eles nem chegam até aqui”. Ele arranca um galho grande com folhas e começa a extinção, no braço. Imito, mirando os demais focos. Tudo seco, sem chover há dias, o fogo se espalha rápido. Sorte não estar ventando, senão babau.

Cerca de 40 minutos, durou a função. Olho para o resultado, a grande mancha preta e duas cobras mortas (“não conseguiram fugir, olhaí”, diz ele), e me vêm à mente flashes do belíssimo filme de Kurosawa, que assisti há uns bons 30 anos. Me senti o próprio Dersu, gritando o nome do Capitão nas estepes da Rússia.

Nem nos sonhos mais delirantes eu me imaginaria dando uma de bombeiro amador, a essa altura da vida. Já disse aqui, e repito: de tédio não se morre, nestas bandas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mac Javali


Este é o novo anúncio publicitário que está sendo veiculado na França, hambúrguer e batata frita no cardápio de Asterix e cia.

A aldeia povoada pelos irredutíveis gauleses não mais resiste ao invasor.

Claro que os direitos foram cedidos por Uderzo, o desenhista. Mas, em respeito à parceria genial que encantou fãs no mundo inteiro, a memória de Goscinny (o roteirista, falecido em 1977) poderia ter ficado sem essa “homenagem”.

É como se Angeli, por exemplo, permitisse que os Skrotinhos virassem protagonistas de um comercial de, sei lá, fraldas. Ou que Bob Cuspe se juntasse à campanha das gravadoras contra a pirataria de CDs.

Como disse Aran, o único bastião de resistência que restou é o Bastião Salgado.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Essa é pra tocar no rádio (7) - Final

Luiz Tatit e Grupo Rumo

Tivesse eu que selecionar uma pequena amostra para quem desconhece Tatit, destacaria as canções em que o narrador dialoga com a mulher amada: a Cristina de “Acho pouco”, a Ivone de “Aceita a serenata”, a Odete de “Olhando a paisagem”, a Sofia de “Haicai”. Letras permeadas por uma deliciosa autoironia - um traço presente, aliás, em toda sua obra.

Na fase pós-Rumo, Tatit lançou quatro cedês: Felicidade, O meio, Ouvidos, uni-vos, e o recente Sem destino. Dentre eles, O meio tem um encanto especial. Álbum temático (assim como Felicidade), suas letras têm como fio condutor o distanciamento dos extremos. A busca da medida justa e do meio-termo, seja no contexto do envolvimento afetivo ou em outro qualquer. Curiosamente, o disco traz ecos de um curso de Linguística dado por ele, na FFLCH, de que participei como aluno. Com a mesma paixão que demonstra pela composição, ele aplicava a teoria semiótica de Greimas às letras de nosso cancioneiro. Árida, a teoria tratava dos estados de conjunção e disjunção do sujeito. Em termos palatáveis: ora a pessoa está de posse do objeto de seu desejo, ora não. Comentário do mestre-cantor, no meio de uma das análises: “Vivemos sempre num movimento pendular, entre a ‘euforia’ proporcionada pelo ‘ter’ e a ‘tristeza’ do ‘não-ter’. Mas o mais comum mesmo é ficarmos no caminho do meio”. Na mosca: é este o caminho percorrido por todo o álbum. Não é gratuito, por exemplo, que em “Trio de Efeitos”, entre o “bom” e a “má”, o próprio Tatit assuma o papel do “médio”, do “medíocre perfeito”.

Pequena digressão: uma relativa dificuldade, ao seguir o curso, que fiz nos anos 90, era a de separar meus papéis de aluno e de fã, época em que a “tietagem” ainda fazia algum sentido. Assim, volta e meia eu fazia anotações quando, de repente, uma frase sua trazia uma inflexão que quase me levava a interromper, dizendo: “Ei, escutaram isso? É puro Rumo!!”.

Ainda Hélio Ziskind, sobre Tatit: “Ele é obcecado, na hora de compor; se alguém já fez, para ele não interessa. Quer fazer diferente”. Não surpreende que tenha, entre seus parceiros, gente como Itamar Assumpção. Outras parcerias que resultam numa combinação perfeita entre letra e música incluem José Miguel Wisnik (recomendo “Para Elisa”, de seu álbum São Paulo Rio), Ná Ozzetti e Dante Ozzetti.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

TOC

No post de ontem, eu falava da simplicidade das canções, e como se chega até ela. Horas depois, deparo com a seguinte passagem, do livro que estou lendo, “The Muse Within”, de Jon-Roar Bjorkvold. Tradução livre, minha:

“Picasso afirmou, certa vez: ‘Levei uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança de seis anos’”.

Tenho funcionado como um verdadeiro pára-raios de sincs.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Essa é pra tocar no rádio (7) *

Luiz Tatit e Grupo Rumo

Há exatos 30 anos acompanho o trabalho de Tatit. Tivesse confiado nas primeiras impressões ao ouvir o Rumo, teria desistido ali mesmo. A reação de muitos, diante da primeira audição: mas ele está cantando ou falando? Fato é que as canções do Rumo aproveitam a prosódia da linguagem cotidiana, a ela acrescentando os acordes e a harmonia. Semanas atrás, saiu uma matéria no jornal sobre a banda Memórias de um Caramujo, que bebe na fonte do Rumo. Entrevistado, Tatit elogia o trabalho deste grupo e diz: “"É preciso incluir elementos que durem mais na escuta do ouvinte, às vezes é um bom refrão ou um tratamento musical mais profundo, que permita à pessoa entrar mais na música, não só pelo viés da letra."

É justamente o que acontece com o Rumo. De fato, ouvidas repetidamente, algumas de suas letras – é o principal compositor do grupo – esgotam a novidade. Mas tamanha é a sofisticação harmônica e dos arranjos dessa “big band” que, uma vez ultrapassado o estranhamento inicial, as canções pedem muitas outras audições.

Foram seis discos gravados. Início dos anos 90, Luiz Tatit e Ná Ozzetti iniciam carreira solo. Paulo Tatit junta-se a Sandra Perez, e passam a produzir a série de cedês do Palavra Cantada, que conquistaram, em igual medida, o público infantil e o adulto. Hélio segue compondo trilhas para programas da TV Cultura.

Do trabalho solo de Tatit, o “canto falado” praticamente desapareceu. Em compensação, disco após disco, foi se revelando um grande artesão de nosso cancioneiro. Dá para apostar sem erro que suas letras são buriladas à exaustão, para caber na medida exata, para cair, como dito em “As sílabas”, “como uma luva na canção”. O resultado é de uma simplicidade espantosa. A propósito, Hélio Ziskind declarou certa vez que, para Tatit, o rótulo “música para crianças” é uma bobagem. Para ele, existe música, e ponto final. Nada mais verdadeiro, e fato comprovado: há muitos anos, meu filho hoje adolescente tem os discos de Tatit em sua lista de favoritos.

(*) Texto em duas partes. A segunda irá ao ar na sexta-feira.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Rá-tim-bum

“Tudo era apenas uma brincadeira, que foi crescendo, crescendo, me absorvendo...”. A canção de Peninha é uma espécie de melô do Na Ponta da Língua, que hoje completa um ano de vida.

Pintou uma crise de identidade, no início, causada pelo chavão que dá nome ao blog. Mas logo fiz as pazes com ele. Originalidade demais também cansa.

Deve ser comum a todos os blogueiros, a convivência com certas neuras. A suposta necessidade de postar todos os dias. Para quê, estou n’alguma corrida de cavalos? Um excesso de aspas em meus textos? Sim, estou de olho nelas. Se o leitor nunca se manifesta, estou falando com quem? Não vou afetar um ar blazé, dizendo que não dou a mínima pelota para o silêncio dele. Mas, assim como na literatura, a interação se dá em outro plano, raramente numa caixa de comentários de blog.

A propósito, Patrícia, numa noite dessas em Sampa, contrariando o senso comum, largou sem pretensão uma frase que ficou saltitando cá no trapézio da mente: “No fundo, você escreve é para si mesmo”. Sempre verdadeiro, se o que se busca não é a aprovação do outro, mas suprir uma necessidade interna.

Em frente, pois. A ideia é me continuar me divertindo. Com a música. Com as letras. Com a língua.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O pijama que dá credibilidade

Pesquisa feita com 12 mil pessoas em 924 pontos do país revela que, para 73,6% dos entrevistados, os telejornais são o principal veículo informativo sobre atos do governo federal. Para 33,7%, William Bonner é o apresentador mais confiável. Em seguida, vêm Fátima Bernardes, com 18,15%, e Boris Casoy, com 4%. Informações de matéria do Aliás de ontem.

Notícias de bastidores dão conta de que Bonner é um dos que mais bombam (no vocabulário descolado dos teens) no Twitter. Isso porque, além de falar na linguagem dos tuiteiros, ele ali comparece com regularidade, e chega a aparecer de pijama em pleno ar (no vídeo do twitter, no JN ainda não).

Como diria o velho d(e)itado: Diz-me que pijama vestes e dir-te-ei quem és.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A arte de não dizer nada, com elegância

“A missão de nossa empresa é oferecer aos nossos clientes um desempenho otimizado, e a ele agregar valor. Reduzir o tempo gasto, evitar o retrabalho e empregar soluções ganha-ganha: estes são nossos objetivos, ao oferecer um porfolio de serviços customizados. Serviços que representam, de fato, um plus a mais”.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Nada de novo sob o sol?

Dia desses, entro numa loja, rádio ligado, ouço os primeiros acordes, inconfundíveis, de “Here comes the sun”, de George Harrison. Compassos depois, entra uma voz... de mulher! Tirante a voz, todo o restante era da canção original. Sinal de que o descaramento não tem mais limites, é o império do Control C – Control V. Café requentado no cardápio musical.

O que explica a atual enxurrada de regravações? Tributo ao autor, aposta no suce$$o fácil, preguiça de buscar repertório, medo de apostar no novo... Ou tudo isso junto. Felizmente, nosso cancioneiro tem lugar para tudo. Inclusive para artistas que recusam a pasteurização geral, buscando dizer o que ainda não foi dito, ao mesmo tempo em que relembram o já consagrado. Memorável, a afirmação de Itamar Assumpção, ao gravar Ataulfo: “Regravar Ataulfo em ritmo de samba não acrescentaria nada à sua obra”. A lista que segue dá uma amostra de recriações (este, o termo mais exato) musicais, com arranjos de extrema riqueza.

1. “Mulata assanhada”, de Ataulfo Alves. Álbum Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra sempre agora, de Itamar Assumpção, 1996.
2. “Domingo feliz”, de Daniel Boone e Rod McQueen, versão de Rossini Pinto. Álbum Na tradição, de Maurício Pereira, 1995.
3. “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto. Por Kléber Albuquerque. Álbum Só o amor constrói, de Kléber Albuquerque e Miniorkestra de Polkapunk, s/d.
4. “Hello, Goodbye”, de Lennon/McCartney. Por Milton Nascimento. Álbum O Planeta Blue na estrada do sol, 1991.
5. “Impossível acreditar que perdi você”, de Márcio Greyck e Cobel. Por Rita Ribeiro. Álbum Rita Ribeiro, 1997.
6. “Pra sempre e mais um dia”, de Marina Lima e Antônio Cícero. Por Vânia Bastos. Álbum Diversões Não Eletrônicas, 1997.
7. “You’re going to lose that girl”, de Lennon e McCartney. Pelo trio Música Ligeira. Álbum Música Ligeira, 1994.
8. “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa. Pelo grupo Catavento. Álbum Adonirando, 1997.
9. “Ronda”, de Paulo Vanzolini. Pelo grupo Premê. Álbum Alegria dos Homens, 1991.
10. “Chovendo na Roseira”, de Tom Jobim. Pelo grupo vocal Banda de Boca. Álbum Banda de Boca, 2007.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mãos na terra

Manhã ensolarada de sábado, após uma semana de chuva com pouca trégua. Meu filhote aparece na varanda com vários pacotinhos de sementes. “Vamos plantar?”

Após um ano de meio de vida na roça, dizer que já me sinto como um deles soaria afetado. Minha alma é urbanoide, não tem jeito. Mas volta e meia me baixam os “cinco minutos”. Ao convite de Lívio, não pestanejei. Em minutos, estávamos de carrinho, escavadeira e pás na mão. Resultado do fim de semana: mamão, miosótis, girassol e pepinos plantados, diretamente na terra ou na semeadeira.

Avesso a rotinas previsíveis, sou estimulado pelo contraste radical: muito “papo-cabeça” em meio a traduções, versões e revisões, e mãos na terra para compensar. E nada como descobrir (ainda que lentamente), para além da música e das letras, outras fontes do sagrado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ode ao flato

“Que ninguém diga num último resquício de injustiça que os risos que o peido provoca seriam antes sinais de piedade do que marcas de uma verdadeira alegria; o peido contém em si próprio, independentemente dos lugares e circunstâncias, um divertimento que é essencial.

Ao lado de um doente, uma família em prantos aguarda o momento fatal que a privará de um chefe, um filho, um irmão; um peido, saído com estardalhaço do leito do moribundo, suspende a dor dos assistentes, faz nascer um brilho de esperança e provoca pelo menos um sorriso. Se até junto a um moribundo, onde tudo exala tristeza, o peido consegue alegrar os espíritos e dilatar os corações, como é possível que se duvide do poder de seus charmes? Com efeito, sendo suscetível de diversas modificações, ele varia os prazeres que proporciona, e é assim capaz de agradar a todos. Por vezes saindo com precipitação, impetuoso em seu movimento, ele imita o estrondo de um canhão, agradando assim ao homem de guerra; por outras, retardado em seu percurso, tendo a passagem dificultada pelos dois hemisférios que o comprimem, imita os instrumentos de música. Algumas vezes ruidoso em seus acordes, frequentemente flexível e macio em sua modulação, ele é capaz de agradar as almas sensíveis e a quase todos os homens, pois raros são os que não gostam de música”.

A arte de peidar – Ensaio teórico-físico e metódico para o uso das pessoas constipadas, das pessoas graves e austeras, das senhoras melancólicas e de todos aqueles que insistem em permanecer escravos do preconceito, de Pierre-Thomas-Nicolas-Hurtaut. Tradução de Bruno Feitler, Ed. Phoebus, 2009.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Summerhill, por Matthew Appleton (final)

A polidez natural

As maneiras compulsivas não são mais atraentes do que o xingamento compulsivo, e não entendo por que os adultos têm tamanho prazer em incutir um comportamento tão antinatural e rigoroso em seus filhos. É como se a criança tivesse nascido naturalmente degenerada e precisasse ser salva de sua própria natureza. De um lado, o uso de palavrões é considerado ruim, e assume-se que a criança que não for adequadamente treinada recairá nessa “maldade”. De outro, ter maneiras é considerado bom, mas não se supõe que a criança será naturalmente “bondosa”. A bondade tem de ser inculcada, a criança deve ser educada para ser boa. É a noção inconsciente do pecado original que ainda reside em nossas atitudes em relação às crianças.

As crianças são instruídas a dizer “por favor” e “obrigado” como um papagaio é ensinado a dizer “olá” e “fulano é um menino bonzinho”. Tem tão pouco significado num caso quanto no outro. Se eu dou algo a uma criança, aprecio o deleite espontâneo dela, uma resposta verdadeira que significa um prazer para nós dois. Ambos nos absorvemos na troca. Esse sentimento é interrompido e incomodado quando alguém se intromete e pede à criança para dizer “obrigado”. Ela repentinamente sente que fez algo de errado, que não respondeu corretamente. O prazer se transforma em desconforto e o sorriso verdadeiro é substituído por um falso, no instante em que ela pronuncia as palavras obrigatórias. Isso termina em um instante, mas estragou algo real e significativo que fluía entre nós dois.

Nenhum dano é causado quando se ensina às crianças que “por favor” e “obrigado” são respostas normais no meio social. Seria estranho não familiarizar as crianças com a cultura local à qual elas pertencem. Mas elas deveriam ter a liberdade de adotar tais respostas em seu próprio tempo, e não deveríamos fazê-las se sentir culpadas se esquecem de dizer essas palavras.

Não tenho a expectativa de receber gratidão em troca de algo que dei ou fiz por elas, a menos que isso surja de maneira espontânea. A expectativa de gratidão se baseia na premissa de que as crianças estão em débito conosco. Se não conseguimos dar livremente a elas, essa falha é nossa, não delas. Sentir-se constantemente em débito é sentir-se inferior. A prostituta é condenada ao ostracismo por estipular um preço para o amor; contudo, quando o amor dos pais carrega consigo um preço — e um preço que é bem maior do que aquele — ninguém desaprova. Um pai pode dizer quantas vezes quiser para uma criança “Eu te amo”, mas enquanto esse amor tiver de ser conquistado através de pequenas insinceridades e demonstrações de gratidão, a criança não se sentirá verdadeiramente amada pelo que é.

Não tentamos estimular boas maneiras em Summerhill, e entretanto nossas crianças maiores estão entre as pessoas mais polidas que conheço. Quando digo isso, não quero dizer polidez no sentido formal — por favor, obrigado, com licença (embora elas certamente possam começar a usar tais expressões quando quiserem). Elas são polidas de uma forma genuinamente cortês e interessada, com maior profundidade. Minha companheira, Gunn, que é norueguesa, acha meus modos ingleses um tanto quanto exagerados às vezes. Ela fica irritada com o número de vezes que digo “obrigado” quando vamos fazer compras. Mas isso nada tem a ver com verdadeiras boas maneiras. Trata-se somente de etiqueta social, que varia de país para país. As verdadeiras boas maneiras consistem em ser consciente em relação a outras pessoas e corresponder aos sentimentos delas, e não em frases repetidas como que por papagaios. Aquelas requerem um ativo estado de alerta emocional, estas são somente escombros sociais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Massa polar


Nada fácil, essa vida no campo. No registro acima, o blogueiro prepara a lenha para o café da manhã.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Uma tradução primorosa: Asterix

Só descobri Asterix relativamente tarde, por volta dos 22 anos. Mochileiro, eu perambulava pelo mundo, e o exemplar era em inglês. Foi o impulso definitivo para que eu investisse em meu primeiro dicionário monolíngue. Isso porque eu começava a perceber os frequentes jogos de palavras (os autores de língua inglesa adoram brincar com as possibilidades da homofonia, peace/piece, boar/bore etc), e me dizia: pera lá, essa piada não deve funcionar na língua original! Será que a tradução melhorou o original? Começava a ganhar formas, ali, o embrião de um tradutor.

Pois bem, relendo Asterix and Cleopatra (tradução para o inglês de Anthea Bell e Derek Hockridge, de 1969), as pupilas voltam a brilhar com duas passagens, que transcrevo a seguir, invertendo apenas a ordem em que elas aparecem na história.

1. Em visita a Luxor, no Egito, Asterix e Obelix estão diante de um obelisco. Asterix: “Não, não, e pela terceira vez, não, Obelix. Esta coisa no meio do vilarejo? Ficaria ridículo”. Obelix: “We shall never be in concord over this”. Frase que jamais seria dita em linguagem coloquial. Nela, ele diria algo como “We’ll never agree on this point”. Consulto o original, em francês, e ali está: “Nos opinions ne concordent jamais!”, também em registro formal (na linguagem cotidiana, “on est jamais d’accord”). Genial, a sacada de Goscinny, imediatamente percebida pelos tradutores. Isso porque em Paris, no centro da Place de la Concorde, há um obelisco (pilhado pela França numa das guerras napoleônicas).

2. O arquiteto de Cleópatra, Edifis (Numérobis, na versão original) é convocado por ela, que fizera uma aposta com César. A rainha lhe promete construir, em três meses, um palácio magnífico em Alexandria, para convencer o imperador quanto à grandeza dos egípcios. Edifis, desesperado com a limitação do prazo, viaja para a Gália, ao encontro de seu amigo druida. Sua poção mágica e nossos heróis são os únicos que podem lhe tirar da enrascada. Cena: Edifis chega ao vilarejo e diz: “My dear old Getafix, I hope I find you well?”. No original: “Je suis mon cher ami, très heureux de te voir”. Comenta o druida, com os aldeões: “É um alexandrino...”. Seja no original, seja na tradução, você pode contar: há doze sílabas na frase do arquiteto. Um verso alexandrino, portanto.

E há quem alimente a crença de que os tradutores serão, um dia, substituídos pela máquina...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A sinc da semana

“Se queres saber quem é Juanito, dê-lhe um carguito”. Provérbio espanhol, citado por Frei Betto, em entrevista à Caros Amigos.

Frase que pega uma confortável carona no tema do post “Cancioneiro 8”, que você leu dia desses.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Summerhill, por Matthew Appleton (2)

"Tem havido muita discussão na mídia sobre o problema da cábula, mas nada tem sido dito sobre o problema das crianças que passivamente aceitam o regime da sala de aula sem questioná-lo. Nada é dito a esse respeito, pois isso não é visto como um problema. No entanto, basta uma rápida recapitulação na história humana, em especial a do século XX, para nos lembrar que a aceitação passiva e a obediência sem questionamentos prepararam o caminho para males muito maiores do que aqueles causados pelo rebelde ocasional. A educação compulsória produz indivíduos coercíveis, dispostos a permitir que os outros moldem seu destino.

Experiências feitas nos Estados Unidos por Stanley Milgram ilustram o problema com uma clareza assustadora. Voluntários foram convidados a participar de um laboratório de psicologia, no qual lhes pediram que dessem choques elétricos em alguém na sala ao lado. Os voluntários podiam, através de uma janela, ver essa outra pessoa, que estava amarrada a uma cadeira. Disseram-lhes que estava sendo feita uma investigação dos efeitos da punição no aprendizado e que o papel deles era administrar choques elétricos – que iam gradativamente crescendo – a essa pessoa toda vez que ela respondesse incorretamente a uma questão. O que eles não sabiam é que esse outro indivíduo era, na realidade, um ator, e que, de fato, não havia eletricidade nos choques dados.

Eles eram encorajados pela pessoa que conduzia o experimento a aumentar a voltagem, ainda que o ator gritasse e se contorcesse, como se estivesse em agonia, a cada vez que eles faziam isso. Apesar de expressões de grande desconforto da parte de muitos participantes, 65% continuaram a administrar o choque máximo de 450 volts, já que o condutor do experimento lhes dizia que não havia problema em fazê-lo. Isso ocorria a despeito da angústia visível na expressão do ator, e das etiquetas nos interruptores que incluíam o aviso “Perigo: choque violento”. Numa variação sobre esse tema, o ator alertou os participantes para o fato de que ele tinha um leve problema de coração e pediu para ser solto quando a voltagem chegou a 150. Mas, mesmo assim, 26 dos 40 voluntários continuaram a administrar o choque máximo de 450 volts. Ao serem entrevistados na seqüência, a resposta mais repetida era “Eu só estava fazendo o que me mandaram”."

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Crítica de música popular: uma dica

O link para o blog dele já está listado aí em cima há algum tempo. Mas acho importante, a ênfase. Ele é colaborador assíduo da revista Fórum e escreve para a Carta Capital, além do que posta no blog.

Falo de Pedro Alexandre Sanches, crítico que faz um trabalho fundamental em nossa cena musical: com uma generosidade que chega a ser comovente, revela inúmeros talentos fora do “mainstream” e traz à tona, volta e meia, a relação estreita entre gosto musical, exclusão e preconceito. Sem contar que dialoga com feras do assunto: ver a longa e belíssima entrevista feita (em seu blog) com José Ramos Tinhorão, uma das principais referências na crítica de música popular.

Não é à toa que não tem espaço nos jornalões. Seria um contrassenso.

Cancioneiro (8)

“O medo de amar é não arriscar, esperando que façam por nós o que é nosso dever: recusar o poder”.

“O medo de amar é o medo de ser livre”, de Beto Guedes e Fernando Brandt. Álbum Amor de índio, de Beto Guedes, EMI-Odeon, 1978.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Escola Summerhill, por Matthew Appleton

Transcrevo trechos do livro Uma infância com liberdade - A autorregulação na Escola Summerhill, de Matthew Appleton. Livro pelo qual me apaixonei, e que traduzi. Embora já tenha sido aprovado por uma editora (após a recusa de várias outras), foi colocado na fila, cujo tamanho ignoro. Matthew morou nas dependências de Summerhill durante sete anos, trabalhando como houseparent.


AULAS NÃO-OBRIGATÓRIAS

Sempre me surpreendeu o fato de tantos visitantes desejarem assistir a aulas. Nunca consegui entender qual o atrativo nisso. A singularidade de Summerhill reside em sua vida comunitária, seu autogoverno e sua liberdade de expressão, e não em suas aulas. Nenhuma metodologia de ensino especial é empregada nessa escola. Na verdade, as aulas são freqüentemente dadas de maneira bastante tradicional. Os professores trazem seus estilos próprios e têm a liberdade de ensinar como quiserem — ninguém lhes diz de que forma devem ensinar. Se há quaisquer qualidades em particular que as crianças de Summerhill revelam em seu trabalho feito em classe, não tomei conhecimento. É no aspecto emocional da vida que Summerhill sobressai, e não no acadêmico. A única diferença importante nas aulas dessa escola é o fato de elas não serem compulsórias.

Certa vez, uma inspetora de escolas me perguntou “O que vocês fazem quanto ao problema das crianças que não assistem às aulas?”. “Esse não é um problema”, respondi, “se as crianças não freqüentam as aulas, é porque têm coisas mais importantes a fazer”. Ela não conseguia acompanhar a lógica de meu raciocínio. Não podia conceber que as crianças pudessem ter algo mais importante do que se sentar numa sala de aula o dia inteiro para ter aulas. A idéia de que crianças que não assistissem às aulas pudesse ser qualquer coisa exceto um problema era completamente estranha a ela.

Como as crianças assistem às aulas somente de maneira voluntária, não temos a cábula. A experiência de cabular aulas e a de não ter de assistir a elas são muito diferentes. Aquele que cabula experimenta a liberdade como algo sorrateiro e desafiador. É uma coisa que acontece às costas do mundo adulto e em reação à autoridade por ele imposta. Em Summerhill, as crianças sentem-se aprovadas, freqüentando ou não as aulas. Elas experimentam a liberdade como natural. Isso é direito delas, respeitado pela comunidade à qual elas pertencem. Elas fazem suas próprias escolhas. Receber ordens, sobretudo de uma maneira rude, pareceria estranho a elas. Temer os adultos e ter de viver os prazeres delas escondido deles seria para elas algo impensável. Isso pode não acontecer no momento de sua chegada a Summerhill, mas passa a ser o caso à medida que elas se habituam à vida nessa escola.

(Continua...)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O sarcasmômetro

Deu na Língua Portuguesa deste mês.

“Um programa de computador criado por pesquisadores da Universidade Hebraica, em Israel, é capaz de detectar frases sarcásticas escritas na internet. O algoritmo responsável pela façanha foi batizado de SASI, sigla que designa, em inglês, “algoritmo semissupervisionado para identificação do sarcasmo”. Testado em frases postadas no microblog Twitter, a ferramenta conseguiu identificar o sarcasmo de enunciados com uma precisão de 77%. Ainda que a eficácia não seja de 100%, é preciso lembrar que, muitas vezes, nem mesmo humanos entendem conteúdos sarcásticos.”

Mais uma joia do humor involuntário. Imagino o sucesso que tal aparelhinho pode fazer, quando chegar cá nos trópicos. Não só aqui, mas em toda parte onde impera o analfabetismo funcional.

Enquanto o SASI não chega, vamos recheando nossas frases com o “rs”. Falando nele, no dia em que meus escritores prediletos passarem a usar este recurso (ou quando me deparar com um “lol” num livro em inglês), jogo a toalha: a boçalidade terá vencido.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tributo a Ibrahim Sued

Não deve ser fácil a vida de um gringo determinado a aperfeiçoar seu português. Ao comprar o jornal de hoje, por exemplo, já na primeira linha do texto sob a manchete, ele encontra uns pedregulhos no caminho. À frase:

“Faltando dois meses do período de coleta de dados da taxa anual de desmatamento, o ritmo de abate de árvores na Amazônia indica queda de 47%”.

“Hein?”, reage ele, encafifado: “Não seria ‘faltando dois meses para o [término do] período etc’?”. "Ou então 'A dois meses do término do período etc'"?

Uma vez mais, a dificuldade crônica do redator no emprego de “a” ou "há" – inúmeras vezes, já li coisas como “há dois meses da competição, o time ainda está...”. Entende-se, portanto, sua intenção: tentar se esquivar do problema.

O que me faz lembrar de uma historieta contada sobre Ibrahim Sued, lendário colunista social de décadas atrás. Ele pedira à sua secretária que preenchesse um cheque de 60 mil cruzeiros. Minutos depois, ela lhe pergunta:

– Ibrahim, 60 eu escrevo com “c” ou com “esse”?

Ele pensou, pensou, coçou a cabeça e tascou:

– Ah, faz dois de trinta, vai.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Onde vamos parar?

“Defendo que a escola deve pensar em não considerar mais como erros certas construções usadas por todas as pessoas cultas quando falam e mesmo em textos literários. Não defendo que TODAS as construções de TODAS as pessoas em TODAS as circunstâncias sejam aceitas, mas aquelas que as pessoas CULTAS não percebem mais como erros.

Refiro-me a construções como ‘Preferir alface do que rúcula’, ‘Tinha muita gente na praça’, ‘A moça namora com o vizinho’, ‘Me disseram que a seleção embarcou’, ‘Mandei ele fazer isso’, ‘O Brasil, ele é um país desigual’ etc. (...) Ante propostas assim, muitos perguntariam: ‘onde vamos parar’: a) Vamos parar onde já estamos (pois quase todo mundo já fala assim, com exceção, às vezes, de especialistas em erros); b) Escolas e sistemas de seleção seriam mais justos, ao cobrar o domínio do português culto de seu tempo”.

Sírio Possenti, em artigo na revista Língua Portuguesa de julho/2010.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Phoda-se

Está sendo um sucesso mundial, este aparelhinho, de enorme utilidade para usuários de qualquer idade, em suas relações interpessoais. Tem o nome de Phoda-se, nome comercial PDS. Disponível em duas versões: a subcutânea (mais cara, mas com a indiscutível vantagem de não precisar ser acionado em cada situação) ou a manual. Trata-se de um dispositivo muito discreto, que pode ser atado à palma da mão, e ativado com o simples toque do dedo (médio, de preferência).

Listamos, a seguir, apenas algumas das situações em que ele lhe pode ser útil. a) Você quer curtir o seu som em volume ilimitado, a qualquer hora da noite ou do dia, e seu vizinho rabugento implica com isso; b) A pessoa que lhe presta serviços lhe cobra resposta sobre um e-mail que enviado há semanas, ao qual você não tem a mínima intenção de responder. A pressa é só dele, afinal; c) Você trabalha como pedreiro, marceneiro, pintor etc e seu cliente quer lhe imprimir um ritmo de trabalho que, definitivamente, não é o seu; d) No ônibus, idosos à sua volta, você quer exercer o sagrado direito de usufruir de seu assento; afinal você pagou pela passagem, o que não é o caso deles – que, ainda por cima, furam a fila no banco; e) Em seu namoro ou casamento, sua/seu parceira/o o procura para conversar de quando em quando, ainda que você já lhe tenha dito ene vezes que a D.R. não faz seu estilo.

São essas e muitas outras, as utilidades do PDS. Conheça já este aparelho que está sendo considerado, pelos mais eufóricos, como a versão tecnológica do Soma, a pílula do universo criado por Huxley, no livro Admirável Mundo Novo. A felicidade plena ao seu alcance.

Compre já o seu Phoda-se. Numa pharmácia perto de você.

(Se persistirem os sintomas, o inconsciente deverá ser consultado).

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tradução e revisão: créditos

No post sobre o livro de Rosa, aí embaixo, faltou o crédito aos tradutores. Ops! Aproveito e incluo um P.S., sobre a revisão, ou a ausência dela. Lá está, devidamente editado.

Uma pelada memorável

Noite de 4ª feira, Cidade do Panamá. Jogo beneficente, entre Seleção dos Amigos do Messi e Seleção do Resto do Mundo. Um clima de casados x solteiros, daqueles da firma, faltaram apenas o churrasquinho e as brejas. Flashes da partida, a seguir.

1. Os gandulas eram guris de não mais de 10 anos. Decerto viviam seu dia de glória.
2. O locutor (SportTV) deixava a bola rolar, com inacreditáveis brancos na narração (que bênção, quando fecham a matraca!). Ou então fazia o que manda a sensatez, quando pouco de relevante rola no gramado: trazia várias informações extra-campo.
3. A certo momento, locutor calado, ouvia-se a narração do jogo, pelo microfone do estádio. No melhor estilo dos rodeios.
4. A cada vez que Messi tocava na bola, histeria coletiva. Parecia programa de auditório, com a claque programada para aplaudir e dar gritinhos.
5. Fim do primeiro tempo, um dos jogadores que fora substituído minutos antes... volta ao campo! O que me faz pensar: ué, e por que não nos jogos oficiais? Isso não faz a graça, por exemplo, do basquete?
6. Início do jogo. Lúcio, o zagueiraço do time de Dunga, jogando pelo time do argentino, faz uma lambança inesquecível, que resulta em gol do adversário. Minutos depois, se redime e faz um golaço, de placa. Deve ter acordado ontem e dito: “Hoje o Felipe Melo sou eu”. Faltou só o pisão na canela alheia.
7. Cafu, embora já tenha pendurado as chuteiras, também atuava como “amigo” de Messi. Aos 40 anos, corria com a disposição de um moleque de 18, fazendo jogadas belíssimas. Ok, o adversário, um mistão de atletas (dentre os quais Materazzi, o que acolheu a cabeça de Zidane na Copa de 2006) não era grande coisa, mas ainda assim deu certo trabalho.
8. As cortinas se fecham com um placar elástico: 6 x 3, com dois gols do homenageado. Um verdadeiro show para quem curte futebol.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sintonia fina

O leitor atento aos detalhes (tão pequenos de nós dois), e que passa por aqui depois de visitar a casa virtual da Mulher, ou vice-versa, terá percebido. É uma filigranazinha, mas ela faria a delícia de adeptos da numerologia ou da cabala. Do jogo do bicho, quiçá.

A ela, pois. Repare no horário em que foi postada a mensagem de ontem. Olhe, então, para postagem de ontem, no blog dela. Isso porque a distância entre nós era (é) de 400 kms, e nossa comunicação, esporádica.

Tenho ou não motivos para alimentar meu TOC de classe (se você chegou agora, revire os arquivos recentes do blog: há um post com esse título)?

terça-feira, 13 de julho de 2010

A arte de entrevistar

Há alguns anos, um escritor, não lembro mais quem foi, disse num artigo de jornal, que entrevistas revelam uma profunda preguiça jornalística. Infelizmente, esta lembrança me é recorrente. Sobretudo pela constatação, tantas vezes presente, de que o repórter não se preparou para o trabalho. Catou uma informação aqui, outra acolá, juntou tudo, e lá foi. Surpresa zero na formulação das perguntas, obrigando o entrevistado a disfarçar o tédio. Não é mero acaso que alguns artistas se recusem a dar entrevistas.

A melhor antítese destas pseudo-entrevistas está num livro de Rosa Montero, que deveria ser parte compulsória dos cursos de Jornalismo e de Letras: Muitas coisas que perguntei e algumas que disse (tradução de Newton Andrade e Ana Lima Cecilio, Cubzac, 2007). Nele, além de crônicas e algumas poucas reportagens, ela apresenta treze entrevistas feitas para o El País, ao longo de vários anos. Entre outros, conversa com Harrison Ford, Paul McCartney, Lou Reed, Mario Vargas Llosa, Prince, Margaret Thatcher e Martin Amis.

As conversas são intercaladas com impressões da autora, compondo um perfil de seu interlocutor. A empatia dela pelo entrevistado, bem como as dificuldades enfrentadas ao longo da conversa, para fugir do óbvio são ali expostas, criando uma enorme proximidade com o leitor, transmitindo a ele uma sensação de autenticidade. Mais importante que isso: a forte sensação de que ali, diferentemente de inúmeros entrevistadores por aí afora, está alguém extremamente atento para que o ego não se sobreponha. Alerta para que a conversa não se transforme, em momento algum, numa exibição oca de erudição. Atento para se dedicar inteiramente à escuta (esta, a verdadeira arte).

Assim, termino, por exemplo, a leitura da conversa entre ela e o escritor espanhol Javier Marías absolutamente encantado e doido de curiosidade em ler um livro seu. Isso sem jamais ter tido a mínima referência a seu respeito. Com o depoimento de Harrison Ford, a gana de explorar tudo o que fez além da série Indiana Jones. Com o de Prince, a vontade de escutar atentamente um de seus álbuns. Em relação a vários dos entrevistados (sobretudo James Lovelock, cientista inglês), o sentimento de emulação, na acepção mais generosa da palavra.

Já disse outro dia, mas repito: Rosa Montero é uma autora imprescindível.

PS: Não há o crédito ao revisor, como é de praxe. O que passaria desapercebido, caso alguns erros ao longo do texto não estivessem tão visíveis. Um sinal lamentável de desleixo, sobretudo num livro como esse.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cafuné na final da Copa

Já temos o waka waka na trilha sonora deste domingo, mas aqui vai minha contribuição. Shakira e Milton Nascimento, quem sabe dá liga.

“Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
o mar é das gaivotas
que nele sabem voar
Brigam Espanha e Holanda
pelos direitos do mar
porque não sabem que o mar
é de quem o sabe amar”

“Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, de Milton Nascimento e Leila Diniz. Álbum Sentinela, de Milton Nascimento, 1980.