terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nas coxas

Bem que tento me concentrar na prancha e na onda. Mas esta é irresistível.

Deu no jornalão:

Palmeiras: Coxa ameaça tirar Valdívia do duelo ante Atlético-MG.

Paira, diante do leitor aterrorizado, a imagem de uma coxa gigante, arreganhando os dentes. Medo.

Isso porque nas redações impera o bordão “manchete boa é a que cabe”.

domingo, 24 de outubro de 2010

Só mais uma coisinha...

Antes de ir, deixo este texto, com um link.

O spa de Valentina

Nada como o equilíbrio da natureza. Basta sua dona deixar a casa por alguns dias, a felina para de comer feito desesperada. Olhar fixo no horizonte, sonha com a volta da barriga sobre a qual voltará a ronronar. E, enquanto devaneia, jejua. Com isso, livra-se, em parte, da banha acumulada nos últimos anos. Banha que lhe impede de dar saltos mais elásticos e de ter pleno êxito em suas caçadas.

Já que a Mulher estará fora por período prolongado (Circuito SESC de Artes, um projeto bem bacana interior adentro; confira seu percurso e crônicas de viagem, aqui), Valentina tem a preciosa chance de recuperar o corpo esbelto e elegante que um dia já teve.

É esperar pra ver. Em breve, neste espaço, as duas fotos justapostas, “antes” e “depois”.

***
Agora, sim. Até novembro.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Pausa

Um tsunami de trabalho se avizinha. Vou lá pegar essa onda e já volto. No início de novembro. Até lá.

De Márcio Faraco para Carlinhos Brown (final)

Vilã manada
nada ouviu
do ouro do povo do Brasil



Além de evocar a irracionalidade do público, manada também remete a um grupo numeroso de pessoas passivas, acríticas. É comum que, ao fazer parte do coletivo, o homem tenda a abdicar de sua capacidade de discernimento, delegando-a ao grupo. As decisões deste passam a ser soberanas, em detrimento daquelas tomadas pelo indivíduo, que busca preservar sua imagem perante os demais. Sua identidade é, portanto, diluída.

A questão da identidade, com efeito, é retomada:

Jogando uma pedra no espelho
Não vou deixar de ser o que sou


Que imagem temos de nós mesmos? Aceitamos nossa identidade? Em que medida nosso “complexo de vira-lata” está sendo alimentado? Ainda nos divertimos com frases do estilo “Este país tem saída: Galeão e Cumbica”? Prestando ou não atenção ao “ouro do povo do Brasil”, não há como fugir do espelho. Ele segue refletindo nossa imagem, com a qual temos de lidar.

Não quero ver mais uma vez (...) a nação no corredor polonês. Curiosa, a definição dada pelo dicionário Houaiss para “corredor polonês”: “uma brincadeira [grifo meu] entre crianças, em que se forma uma passagem estreita formada por duas fileiras paralelas de pessoas que batem com as mãos, pés e/ou com objetos no indivíduo que, por punição, castigo ou brincadeira, deve atravessá-la”.

Brincadeira? A questão é identificar, em meio às vaias e à saraivada de garrafas, o limite entre o componente lúdico e o sádico. É oportuna, a lembrança do assassinato, em 1997, do índio Galdino Jesus dos Santos, em Brasília, por um grupo de adolescentes que, após ter ateado fogo em seu corpo, declararam no Tribunal de Justiça que tinham somente a intenção de “fazer uma brincadeira”. Faraco, ao registrar de modo poético o lamentável episódio do Rock in Rio, evoca nosso passado recente.

Elementos musicais reforçam o sentido do texto. É o caso do ritmo acelerado da canção, com o baixo participando ativamente da linha melódica, a percussão em primeiro plano. Duas referências sutis aqui: o ritmo reforçando a homenagem a Carlinhos Brown, cuja música tem forte base percussiva, e a alusão ao frenesi da cena relatada pelo compositor. Ritmo que faz eco à agitação e ao tumulto retratados no texto da canção.

Sincronicidade, e das finas: minutos depois de terminar este texto, abro a porta de casa* e deparo com uma garrafa de água mineral largada sobre o canteiro. Canteiro transformado em lixão a céu aberto, e repare só com que objeto... A agressão a Carlinhos Brown é a mesma de que sou alvo. É uma mera questão de grau.


* À época, na Pompéia, em Sampa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A British accent

Venho para a lan trabalhar um pouquito, e na cabine ao lado um inconfundível inglês conversa via Skype. Olha para o horizonte (Avenida Paulista, no caso) e fala de seus negócios com brasileiros com a naturalidade de quem toma seu Ceylon Tea, recebendo visitas. Tento me concentrar, mas o sotaque é bonito demais pra que eu preste atenção noutra coisa além do que ele diz. Percebo-o inquieto, agora: começa a se coçar e a balançar freneticamente as pernas. Provavelmente sacou que virou tema do post. Melhor parar por aqui. Pode ser um hooligan disfarçado de lorde, vai saber.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

De Márcio Faraco para Carlinhos Brown (1)

Escrevi este texto há cerca de três anos, para uso numa oficina sobre música popular que dei em Mogi das Cruzes. Relendo, voltou à tona o prazer que senti ao dar o curso. Compartilho, portanto, com meus leitores. Na sexta-feira, levo a segunda parte ao ar.

***
Chuva de Vidro, de Márcio Faraco. (CD Com tradição, Universal Music France, 2005)

Em frente à multidão alucinada
Eu escolhi o seu lado
Aí levei garrafa

Disseram, disseram que era o dia errado
Mas qual o dia certo
Nesse mundo virado?

Visavam seu corpo em movimento
Mas ali naquele momento
Acertaram nossa alma

Olha a garrafa no ar!

Chuva de vidro
Pedras do Rio
Água na Barra
Assovio
Vilã manada
Nada ouviu
Do ouro do povo do Brasil

Vivi pra ver esse pesadelo
Não quero ver mais uma vez
Verões de tempestades de gelo
E a nação no corredor polonês

Jogando uma pedra no espelho
Não vou deixar de ser o que sou
Um violeiro é um violeiro
E o baião não é rock and roll


Faraco dedicou esta canção a Carlinhos Brown. Convidado para cantar no festival Rock in Rio, janeiro de 2001, Brown subiu ao palco na mesma noite em que tocariam as bandas Oasis e Guns’n Roses. Partiu dos fãs desta última a saraivada de garrafas d’água na direção do cantor, enquanto ele, que descera uma passarela em meio ao público, cantava seu hit A namorada.

Disseram que era o dia errado. Muito se falou a esse respeito. Surgiu, entre outros, o comentário de que Brown jamais deveria ter sido escalado para tocar naquela noite, para um público como os fãs de Guns n’Roses. Sua declaração sobre estar no “dia errado”: “Eu tinha de estar ali naquela noite, para passar o meu recado àquela molecada, que infelizmente renega a música de seu país".

Pedras do Rio
. Clara referência ao nome do festival, Rock in Rio. Dentre as várias acepções da palavra inglesa rock (balanço, embalo, apoio, amparo, rocha, rochedo, penhasco), Faraco optou pela analogia com as pedras: garrafas voavam na direção de Carlinhos Brown, numa nítida evocação ao ritual de apedrejamento que ainda existe em países muçulmanos.

Água na Barra. O verso é pronunciado com as sílabas escandidas. Há um trocadilho auditivo, aqui: além da clara alusão ao bairro carioca, a impressão é que também se ouve A Guanabara. Impressão reforçada pelo fato de o “erre” receber uma pronúncia intermediária entre aquela dada às palavras com dois “erres” e às de um só. Notar que no encarte bilíngue (português-francês)*, ao lado desse verso consta “Jets de bouteilles d’eau à Barra”, ou seja, “arremesso de garrafas de água na Barra”, bem como a referência à Barra como bairro carioca. Se na tradução para o francês a poesia e a prosódia do verso foram perdidas, em contrapartida o episódio foi contextualizado para o ouvinte/leitor francês.

* Caso você queira ouvir a canção, terá de importar o CD. Apenas “Interior”, o segundo de seus cinco discos, foi lançado no Brasil, pela Biscoito Fino.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Eles dão o troco

Entreouvido em ônibus de Sampa.

– Cobrador, ele passa na Heitor Penteado?
– (com ar de enfado) Se não quebrar...

(...)

– Cobrador, este passa no Shopping Anália Franco, não passa?, pergunta a coroa, toda emperiquitada, com toda a pinta de que está usando transporte público pela primeira vez na vida.
– Não passa, não.
– Ah, eu não a-cre-di-to!
– Bom, se a senhora não acredita, aí já é problema seu...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nóis não usa as Bleque Tais

“Sou o único compositor que cria polêmica nas escolas; os professores ficam discutindo com os alunos as minhas letras e ensinando que é assim que fala, mas não é assim que se escreve.

(...)

Pode vir vinte Mobral, todos continuarão a falar errado. O povo fala assim. A maioria fala errado. De vez em quando, ao falar com um doutor, eu posso até falar ‘nós devíamos...’ Mas é raro, é esquisito.

(...)

Pra escrevê uma boa letra de samba, sentida, humana, a gente tem que sê, em primeiro lugá, narfabeto."

Em Adoniran – Dá licença de contar..., de Ayrton Mugnaini Jr., Editora 34, 2002.

Ontem mesmo, Adoniran era cantado por Passoca no Som Brasil, da TV Cultura. Primoroso, o álbum que ele gravou com inéditas do Rubinato.

Falando em TV Cultura, a informação agora é oficial, consta no site deles: a Mulher estará no Entrelinhas deste domingo, 21h30. Também entrevistada, Ana Maria Machado.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Das minas (e dos manos)

Os tubarões e os profissionais da mídia respiram aliviados. Terminada a Copa do Mundo e num período eleitoral relativamente chocho, que não proporciona grandes emoções, nada como dirigir os holofotes ao resgate dos mineiros chilenos. Com direito a cenas dignas de Indiana Jones. Muito em breve, o assunto terá rendido livros, filmes, DVD e mini-série.

Vale o mote de sempre: O show deve continuar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Escreva ou Morra

Acabo de descobrir um site de enorme valia para jornalistas, escritores, tradutores e qualquer profissional cujo ganha-pão vem das letras. Ou mesmo para estudantes, de qualquer nível, com alguma tendência a empurrar prazos com a barriga. Falo do site “Write or Die”, aqui.

O objetivo, ali, é incutir medo em quem escreve. Medo de que o texto não será escrito dentro de determinado prazo. Para tanto, baseados em princípios da Psicologia, como o Reforço Negativo (assim eles explicam), os idealizadores do site criaram neste programa uma série de consequências para quem não está produzindo a contento. Lembrando que, ao iniciar o trabalho, você informa ao programa o tamanho do texto, quanto tempo tem para terminá-lo e por aí vai. Segue uma tradução livre, minha, de tais consequências (que podem ser perversas):

- Modo Delicado: Algum tempo depois de você ter parado de escrever, surgirá uma mensagem pop-up, lembrando, de maneira delicada, que você deve continuar a escrever.

- Modo Normal: Se você insistir em evitar a escrita, ouvirá um sinal sonoro bastante desagradável. Som que irá parar somente se você continuar a escrever.

- Modo Camicase: Continue a escrever, ou o seu texto começará a se autodeletar.

Consegue imaginar seu texto sendo automaticamente deletado, e ainda por cima com um apito? Benzadeus.

Mas olhemos pelo lado positivo: talvez seja a ferramenta ideal para quem trabalha relativamente perto da geladeira, de telefones celulares e quejandos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Índigo Press

Neste domingo, às 21h30, entrevista com a Mulher no Entrelinhas, da TV Cultura. Confira lá.

Bienal

Do além, por meio de seu blog, Marcel Duchamp troca um lero com Zeca Baleiro, compositor da canção que segue.

Desmaterializando a obra de arte do fim do milênio
Faço um quadro com moléculas de hidrogênio
Fios de pentelho de um velho armênio
Cuspe de mosca, pão dormido, asa de barata torta

Teu conceito parece, à primeira vista,
Um barrococó figurativo neo-expressionista
Com pitadas de arte nouveau pós-surrealista
Ao cabo da revalorização da natureza morta

Minha mãe certa vez disse-me um dia,
Vendo minha obra exposta na galeria,
"Meu filho, isso é mais estranho que o cu da gia
E muito mais feio que um hipopótamo insone"

Para entender um trabalho tão moderno
É preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno,
Multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone,
Reinvento o céu e o inferno

Minha mãe não entendeu o subtexto
Da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto
Chego a um resultado estético bacana

Com a graça de Deus e Basquiat
Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá
Uma psicodélica baiana

Misturarei anáguas de viúva
Com tampinhas de pepsi e fanta uva
Um penico com água da última chuva,
Ampolas de injeção de penicilina

Desmaterializando a matéria
Com a arte pulsando na artéria
Boto fogo no gelo da Sibéria
Faço até cair neve em Teresina
Com o clarão do raio da siribrina
Desintegro o poder da bactéria

“Bienal”, de Zeca Baleiro. Álbum Vô Imbolá, 1999.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um tique



Não consigo topar com uma estante sem inclinar a cabeça para reparar nas lombadas: ver o que faz parte do cardápio daquele leitor. É quando descubro afinidades, crio pontes. Notei que, neste caso, o Mestre está presente.

(Foto tirada do site desta artista, aqui.)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Colírio

Bendito ócio, que me permite descobrir, em período de entressafra de trabalhos, blogs como este. De preencher a alma e fazer brilhar as pupilas de qualquer um. Taí, a dica da semana.

Tiririca, rinocerontes e o mundo animal

Provoca espanto, entre alguns, o 1,3 milhão de votos que o palhaço Tiririca recebeu na eleição de domingo. Não me causa mínima surpresa, o fato. Por dois motivos.

1. Não é de hoje que espécies exóticas – da fauna, entre outros meios – frequentam a política. Em artigo na CartaCapital, um professor da UFMG lembra que a cidade de São Paulo já elegeu um rinoceronte para a Câmara dos Vereadores. Numa candidatura lançada como brincadeira por um jornalista, o animal recebeu mais de 100 mil votos em 1959.

2. Há alguns meses, uma reportagem n'O Globo mostrou a prática corrente de alguns deputados na Câmara. Um repórter foi destacado para observar a movimentação à saída do Congresso em Brasília, nas manhãs de sexta-feira. Um outro jornalista era enviado ao aeroporto da cidade. Constatou-se que alguns deputados vão ao plenário, registram o ponto, e seguem diretamente para o aeroporto, onde pegam o voo para seus estados de origem. Claro que recebendo normalmente o salário pelo dia trabalhado.

Quem, exatamente, é o palhaço?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Pequeno Nicolau

Uma vez mais, hesitei antes de entrar no cinema. Isso porque assistir a um filme baseado num livro quase sempre acaba em frustração, no meu caso. Não porque eu espere fidelidade à obra original; isso é bobagem, já que se trata de duas linguagens distintas. Justamente quando a fidelidade é cega é que o filme fica previsível. O essencial é que o espírito do livro seja preservado. É o que acontece com O Pequeno Nicolau, um delicioso filme baseado na série de Goscinny – ilustrada por Sempé. Algumas sequências são nitidamente retiradas do texto original, mas há várias invenções no roteiro, todas elas bastante fiéis à natureza travessa de Nicolau e turma. As atuações são memoráveis, incluído aqui todo o elenco-mirim (quando as comparamos à interpretação de algumas crianças, em nosso cinema e televisão, fica visível nossa distância de anos-luz dos franceses).

Sem contar que o filme termina de modo comovente, numa cena em que Nicolau assume o papel de alter ego de Goscinny. Belíssima adaptação, num filme que, assim como o livro, agrada a gente de todas as idades.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dia de caça



Se o miado é muito diferente do conhecido, é batata: Valentina voltou da mata trazendo um quitute. Mini-morcego, beija-flor ou camundongo, os itens principais do menu. Saio na varanda, ali está ela, um roedor entre os dentes. Esperneando. Em vão. Ela segue na direção da cozinha. Sim, não basta caçar, sente a necessidade de trazer o troféu pra dentro de casa, atirando a presa diante de nós, como a dizer “Não punham fé em mim? Olhaí”.

Fecho portas e janelas, disposição nenhuma para recolher animal morto. A gata se dedica, então, ao seu passatempo. Solta o bicho, que sai cambaleando. Ela acompanha. Dá outra patada. Ele vai às cordas, por assim dizer. Percebo que Valentina, uma senhora já entrada em anos, tem o jeitão de ter sido agente do DOPS, numa encarnação recente.. Raramente mata. Mas aprecia uma boa tortura. Vai lá, abocanha o bicho. Larga. Dirige a ele um olhar falsamente blasé, do estilo nem te ligo. Outra patada. Desesperado, o camundongo busca a fuga.

Até que, percorridos bons metros terreno afora – eu de espectador, só monitorando –, o animal descobre uma toca. Estropiado, mas se safou. Ela se posta de guarda, durante minutos. Fim da caça. Minutos depois, Valentina se esparrama na cozinha, certa de que honrou seus ancestrais selvagens.

Quem diria que a poucos passos de meu escritório eu teria o ambiente ideal para cenas do Animal Planet.

(Imagem tirada daqui)