quarta-feira, 30 de junho de 2010

Bipolar

Um europeu de passagem por aqui deve achar curiosa, a reação das pessoas diante dos jogos e dos resultados.

Ao que parece, não são poucos os torcedores cujo humor flutua conforme o desempenho da seleção. Tamanha vibração – ou sofrimento – tem duas explicações, a meu ver: ou o sujeito brincou pouco quando criança e daí passa a projetar nos jogadores tudo aquilo que gostaria de fazer/ter feito, ou então leva uma vida miseravelmente vazia e sem perspectivas.

No bar, terminado um destes jogos do time de Dunga, uma pessoa se levanta, lamentando a obrigação de voltar ao trabalho. Mostrava-se animada como um boi a caminho do matadouro. Se a partida termina no meio da tarde, a cerveja continua a ser consumida até a última garrafa: é preciso prolongar a euforia artificial (vide locutores da tevê, alquimistas buscando a transformação do nada em empolgação) e adiar o retorno ao tédio de sua rotina profissional.

Êta vida besta, meu Deus.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A correspondência secreta

Você também, quando moleque, nunca teve a mínima curiosidade de ler as histórias de Branca de Neve, Cinderela e Bela Adormecida? Deve acontecer com a grande maioria dos machos, imagino. Tive meu primeiro contato com elas há pouco tempo, e confesso que isso só rolou porque eu já tinha sido completamente fisgado por A maldição da moleira. No fim de semana eu as revi. Em cena. Em grande estilo, num casarão. Recado aos marmanjos que até agora deram de ombros pra história das três (e àquelas que só conhecem as versões clássicas): aguardem só essa peça vir para Sampa. De preferência, façamos figa, na Casa das Rosas. Genial, o que essas garotas fizeram com o texto da Mulher.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Literatura e a universidade

“... Gostaria muito que houvesse um projeto de lei, pelo qual toda faculdade de Letras, para funcionar, deveria ter um escritor residente, contratado por quatro anos, não renováveis, só para dar oficina, atender aos alunos e, principalmente, escrever. Para a literatura e a universidade, seria uma revolução.” (Frederico Barbosa, poeta e diretor do Museu da Língua Portuguesa, em entrevista à revista Língua Portuguesa).

Excelente ideia. Quem sabe isso contribuiria para reduzir o fosso existente entre a universidade e a literatura contemporânea. Apegada ao cânone literário, a academia mostra uma resistência atávica diante da produção atual, como se pertencer a uma geração passada representasse, em si, alguma garantia de qualidade. Contrato de quatro anos? A ser discutido; talvez menos tempo, de modo que outros escritores também tivessem espaço.

De tabela, isso poderia levar ao debate sobre o papel dos cursos de “escrita criativa” nas faculdades de Letras e Jornalismo. Enquanto nos EUA isso é prática comum, por aqui eles só existem na forma de oficinas. Não seria o caso de estudar sua implantação em nossos currículos, ainda que em formato alternativo (digamos, dois anos em vez de quatro, tempo de uma graduação regular)? Haverá projetos-piloto já em andamento, em algum campus?

***

Literatura em cena

Caso você não tenha visto a divulgação na casa virtual da Mulher: neste fim de semana terá início a mini-temporada da peça “A correspondência secreta”, baseada n’ O livro das cartas encantadas, dela. Detalhes de onde e quanto, clique lá em seu blog.

Vamos lá (Rio de Janeiro), ver que pito toca. Até.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Os europeus e a vuvuzela

Mensagem reproduzida via twitter: “Após uma semana, a Europa quer abolir a vuvuzela – se ao menos eles tivessem demonstrado tamanha pressa para abolir a escravidão!”

(Via artigo de Roger Cohen, no Estadão de ontem).

Proustiana

Leio na revista:

“A terceira reunião do Grupo de Trabalho Especial de Composição Aberta sobre a Revisão da Implementação do Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica terminará hoje, na capital do Quênia."

Me imagino numa festa. Numa roda de pessoas, alguém se apresenta, dizendo ser membro de tal grupo. Uma situação que quase exige do falante o uso da bombinha anti-asma.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A culpa rende homenagens

Morreu recentemente, e de modo trágico, o escritor Wilson Bueno. Na mídia, uma avalanche de reportagens sobre o autor, nas quais ele passa, de um momento a outro, de praticamente desconhecido e completamente ignorado a escritor influente e de grande importância. As livrarias certamente registrarão o aumento nas vendas de seus títulos, livros que são comprados por uma única motivação: a culpa. Uma vez adquiridos, o sentimento é expiado, e o livro segue para a estante (no máximo, merecerá uma breve folheada), pronto para ser exibido na próxima visita que se receber. Publicada a reportagem e comprado o livro, o editor, o jornalista e o consumidor médio podem tocar tranquilamente a vida, cientes de que cumpriram sua obrigação social.

O mesmo aconteceu com Itamar Assumpção, Elis Regina, Cazuza e dezenas de outros artistas. É a vez de Saramago virar decoração de estantes.

Canção incidental: “...Enquanto você ri no seu conforto, enquanto você me fala entre dentes: poeta bom, meu bem, poeta morto”, "Você só pensa em grana", Zeca Baleiro, álbum Líricas, 2000.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Entrou água

Para fechar a semana, mais um post aquático, por assim dizer.

Cine Sabesp. É o novo nome da antiga Sala Cinemateca, em Pinheiros. Depois do Leite Moça (equipe de vôlei feminino), do Teatro Bradesco e do Cine Bombril, taí a penúltima dos empresários. O que virá a seguir, Cine Adidas? Teatro Coca-Cola?

Agora é torcer para que aquela região, da Fradique Coutinho, não alague nas tempestades de verão (a água subiu na Oscar Freire, recentemente). Piada pronta é com a gente mesmo.

Durante décadas...


a fio, elas lutaram pela emancipação. Para resultar nisso.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Mais mistérios

Deveria estar falando do assunto do momento, o ludopédio. Por exemplo: o que terá havido nas fábricas de confecção de camisas de jogadores da Costa do Marfim (todos usam tamanho P, reparou)?

Mas mudo de pato para ganso. Para o mercado das letras.

A prevalecer a lógica do universo editorial, quanto mais volumoso o livro, mais caro ele será. Isso, porém, não se reflete muito bem na amostra abaixo, que compreende títulos do mesmo gênero, ficção. Fonte: Guia da Folha de 28/05.

1. Fogo Morto, de José Lins do Rego, Ed. José Olympio, 416 págs., R$ 39.
2. Poeira: Demônios e Maldições, de Nelson de Oliveira, Ed. Língua Geral, 400 págs., R$ 45.
3. Deus de Caim, de Ricardo Guilherme Dicke, Ed. LetraSelvagem, 400 págs., R$ 40.
4. Três Dúvidas, de Leonardo Brasiliense, Companhia das Letras, 176 págs., R$ 36.
5. A Humilhação, de Philip Roth, Companhia das Letras, 104 págs., R$ 32.

O que explica tamanha disparidade de preços? Cidadão da Era Pré-Internet, o leitor do NPL não é dado à participação em quizes e enquetes virtuais. Ainda assim, lanço a ele a pergunta acima, seguida das alternativas abaixo.

a. O prestígio do autor
b. O prestígio da editora
c. O tipo e a gramatura do papel
d. N.D.A. (nenhuma alusão a Arnaldo Antunes)
e. Todas as anteriores

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Campo dos Bois e a Copa

Em minha época de guri, havia um campo de futebol perto da Mooca, onde jogávamos peladas semanais. Campo dos Bois. Sei lá o porquê, nunca vi boi nenhum na área. Nele, a grama era coisa rara, uns tufos aqui e acolá, mas nos deliciávamos com os lances bizarros de que éramos protagonistas: chutões de bico, gols de canela, encontrões, um nível técnico de fazer inveja aos times do saudoso programa Desafio ao Galo, da TV Record, se a memória não me trai.

E por que trago isso à baila, agora? Bem, o segundo tempo de França vs. Uruguai, na última 6ª feira, foi muuuuito parecido com o que acabo de descrever. Só que com mais glamour.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Palíndromos 2.4

Bola rolando na África. É a deixa para um palíndromo temático.

LOGO REVER O GOL

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cancioneiro (6)

Olha que vida ideal
Longe do feio e do mau
Vivendo o prazer total
Tudo que é bom sendo legal
A gente crê
Que ser feliz é poder
Comprar tudo o que se vê
E aparecer rindo na TV
Povo tão sentimental
Sonhador, cordial
Acreditando no bem, no mal
Da paz e do carnaval
Tão sentimental
Em pleno comercial
Sol, sul e sal

Na solidão
Da caixa de papelão
Tanta embalagem em vão
Tristeza, oco, desilusão
A gente tem
Desejos que não convêm
Tratado que nem gado
Desde bem neném
Pobre coitado de quem
É tão sentimental
Tão pacato e banal
Sonhando estrelas, amor total
Esperando o carnaval
Tão sentimental
Vivendo um comercial
Sol, sul e sal

Castelo, Caras e até
Novela, Globo e Pelé
Como dói andar a pé
Ser só ralé ser só Zé Mané
Sem ser Gisele
A gente sente na pele
Vontade de acreditar
Abrir as asas e voar
Povo tão sentimental
Sonhador, cordial
Acreditando no bem, no mal
Da paz, etc e tal
Tão sentimental
Vivendo um comercial
Sol, sul e sal

“Tão sentimental – Foule Sentimentale”, de Alain Souchon. Participação de Márcio Faraco. Álbum Coeur Vagabond, de Bia Krieger, 2005.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Rosa Montero e P. G. Wodehouse

Descobri recentemente, a autora espanhola. A reação que tive foi muitíssimo parecida com o que senti ao ler o escritor inglês: uma espécie de assombro. Causado, sobretudo, pelo contraste entre uma erudição invejável e o estilo límpido e elegante, em ambos os casos. A louca da casa e Histórias de mulheres, de Rosa, são preciosidades que merecem releituras periódicas. O mesmo ocorre com inúmeros livros de Wodehouse, entre os quais destaco The Adventures of Sally.

Poderá soar hiperbólico, mas o encontro com os dois foi como pequenas epifanias. O primeiro impulso, o de comprar a obra completa dos dois. Impulso que se transformou em desejo, que tem sido lentamente saciado.

Deleite maior é constatar que Rosa está em plena atividade (além dos livros editados, é colunista exclusiva do El País). E que Wodehouse, por sua vez, tem cerca de cem livros publicados, e todos em catálogo.

Breve nota sobre as edições brasileiras. Enquanto a obra de Rosa tem recebido uma tradução primorosa (de Joana Angélica D’Avila Melo), Wodehouse deve ser lido no original. Em seus três únicos livros editados aqui, pela Editora Globo, embora as traduções revelem competência, há raros e escassos sinais da magia da prosa e do humor fino do mestre.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Já temos o álibi

“Parece bola de supermercado”. “É como se fosse teleguiada, não obedece”. Esses e outros comentários estão sendo feitos por jogadores da seleção canarinho, em referência à Jabaculê, ops, à Jabulani, a bola oficial desta Copa.

Em 2006, Roberto Carlos e suas meias é que levaram a culpa. Em 1998, a convulsão do Fenômeno. E assim pode-se retroceder, até chegar em 1950, com Barbosa. A diferença fundamental é que, desta vez, o álibi para o (possível) fracasso foi encontrado antes mesmo do início da competição. No final, combinam com o campeão do torneio uma boa razão para o fato de a bola não lhes ter atrapalhado nada, divulgam a notícia à larga, e fica tudo certo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Na urbe



O bom de vir para Sampa é ser relembrado de que coisas triviais como escolher a revista predileta na banca da esquina, tomar um pingado + chapado com pão recém-saído do forno e acordar com a falação de vizinhos são, de fato, experiências desse planeta.

Até mesmo cenas como a dos 350 passageiros esbaforidos tentando entrar pela mesma porta no vagão do metrô (e eu tentando sair, claro) ganham certo sabor. Viram uma espécie de experiência antropológica, por assim dizer.