sexta-feira, 30 de abril de 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Time pequeno

De um lado, o Santo André, com cinco –inhos: Cicinho, Cesinha, Toninho, Branquinho e Rodriguinho. Do outro, o Santos, com dois: Marquinhos e Robinho (que, aliás, só está de passagem: emprestado, logo volta à Inglaterra).

É altamente provável que, neste domingo, o time do ABC pague o preço: nenhum excesso de diminutivos fica impune.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Memórias de Mogli


Eu me preparava para virar escoteiro; aí, sim, mostraria do que era capaz: fazer fogueira com apenas dois fósforos (álcool ou artifícios do gênero eram sinal de heresia), montar uma barraca em dois tempos, enfrentar os perigos da mata, pegar javalis à unha.

Até então, eu não passava de lobinho. E o que fazia um lobinho? Nada muito além de desfilar pelas ruas da cidade, todo pimpão, em datas cívicas, metido naquele uniforme todo azul. E observar, salivando, os feitos dos escoteiros.

Mas o bom mesmo era quando começava a cantoria. No trem rumo a Pirassununga, nos acampamentos, em toda parte. Exemplos (disponíveis na internet; saborosa dica de site do mano Tarcísio):

1. “Da Noruega distante, veio esta canção, cante o cuco uma vez, preste bem atenção. Tiriaoia, tiriaoia, cuco! Oia, tiriaoia, cuco.
Da Noruega distante, continua a canção, cante o cuco duas vezes, preste bem atenção. Tiriaoia, tiriaoia, cuco! Oia, tiriaoia, cuco, cuco!” [E assim por diante, até dez toques do cuco, ou até esgotar o saco de algum ouvinte ao lado. O que ocorresse primeiro. A propósito... Noruega? Ué, não devia ser Suíça?].

2. “A árvore da montanha, e-e-i-a-ô, e a árvore da montanha, e-e-i-a-ô
Essa árvore tinha um galho, oi que lindo e belo galho, ai ai ai que amor de galho. O galho da árvore”.
[Daí prosseguia: o galho tinha um ninho, que tinha um ovo etc, até voltar, de modo circular, à árvore. Total de uns dez minutos, primeiras experiências com travalínguas].

3. “Pela batalha, del calientamento, para querer la carga del ginete. El ginete, la carga, una mano ( Bate-se uma mão na coxa enquanto canta).Pela batalha, del calientamento, para querer la carga del ginete. El ginete, la carga, una mano, duas manos (Bate-se, cada um a seu turno: um pé, dois pés, a cabeça, até atirar o corpo)”.

No caso desta última, cantada em ritmo marcial, não compreendia lhufas da letra, composta em impecável portunhol. E quem disse que era necessário? Num ritual semanal, uns 15 marmanjos e outras 10 crianças formavam um círculo, cantando e esperneando. Parecia que os espíritos estavam baixando no grupo. Frenesi total. Era, disparado, meu momento predileto.

“Sempre alerta!”: a saudação (com três dedos esticados rente à têmpora) ainda faria parte de minha rotina. Mas só quando deixasse a alcateia.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Cancioneiro (3)

"Preciso refrear um pouco o meu desejo de ajudar
Não vou mudar o mundo louco dando socos para o ar
(...)
Preciso me livrar do ofício de ter que ser sempre bom
Bondade pode ser um vício, levar a lugar nenhum"

“Cada tempo em seu lugar”, de Gilberto Gil. Álbum O eterno deus Mu dança, 1989.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Zidane e Ronaldo encontram Emanuelle

“Filme da Copa do Mundo de 1998”, anunciava a programação de um canal de esportes, para dali a dez minutos. Começo a especular: virá à tona a explicação definitiva para o que ocorreu com Ronaldo? Cenas inéditas do ídolo estrebuchando no vestiário? Uma anatomia da derrota, nos moldes daquela feita por Paulo Perdigão, sobre a Copa de 1950?

Consultei os botões (futebolísticos), e decidi ver que pito tocava.

Surpresa positiva, de cara: takes de lances e closes de jogadores que lembravam as antológicas cenas do Canal 100, nos momentos que antecediam os filmes na telona, décadas de 1970/80.

Mas o encanto foi breve. Há momentos em que a paixão do telespectador, além de cega, deve ser surda. Só assim para relevar certas coisas.

A começar pelo texto do filme, eivado de clichês. Um longo desfile de metáforas surradas, daquelas de repórter de telejornal metido a espirituoso. Discípulos de um Galvão Bueno em seus melhores (?) dias. De chorar. Mas ficaria ainda pior.

Não tem uma fita chamada “For your eyes only”? Era justamente o caso. A música que acompanhava as cenas, aqui... Meus sais. O olé dado por Zidane, Petit e cia. era embalado por um pianinho de saguão de shopping center. A certa altura, a sensação é de que tomaram emprestada a trilha dos filmes de Emanuelle (o que, no fundo, tem coerência, já que a competição rolava na terra dos gauleses).

Por Tutatis, quem é que edita esses programas?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

(Cha)teens


(dê um duplo clique, para ampliar)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

TOC de classe

Dizia Nelson Rodrigues que todo homem tem suas obsessões, duas ou três ideias fixas. Aliás, um amigo seu o apelidou de “Flor de Obsessão”. A que cultivo é o olhar atento às sincronicidades.

Revisava, ontem, minha tradução de um texto, um diálogo entre artistas. Súbito, me dou conta de que um casal de tucanos fazia um verdadeiro escarcéu bem perto de minha janela. Histéricos, a ponto de me atrapalhar a concentração. Fiquei intrigado. Foi quando resolvi reler o trecho em questão, o depoimento de um músico (*):

“Se fosse possível, gostaria muito de fazer a mesmíssima pergunta aos pássaros e à natureza: de que modo a música humana afeta a eles e ao ecossistema... Acho fundamental que nós, músicos, possamos compreender as vocalizações dos pássaros e os sons que encontramos na natureza. Devemos nos lembrar que a natureza transcende a matéria e, por sua vez, a Terra. Tudo isso me serve como inspiração.
Em meus devaneios, gostaria de ser um uirapuru que canta para viver, e vive para cantar. Tenho pensado sobre a possibilidade de alcançar o virtuosismo dos pássaros, e de desenvolver a espontaneidade que eles têm, para comunicar-se uns com os outros.
Certamente, tendo me familiarizado com a obra de Albery [Albuquerque], sinto que tenho uma maior segurança e ousadia para refletir sobre estes temas. Em nossos estudos musicais, o contexto em que somos educados não estimula a reflexão sobre a vocalização dos pássaros; está fora de questão, para mim, tentar reproduzir uma certa filosofia. Aqui, justamente, existe um diferencial positivo na maneira como toco música clássica: ‘minha composição improvisada’ lembra aquilo que é feito por um pássaro, e passo a ter um maior controle e uma liberdade maior; mais self do que ego, mais imaginação do que imitação, mais naturalidade do que dúvidas, mais amor do que críticas”.

(*) Este material estará, em breve, disponível on-line. Por isso, me permiti a reprodução, aqui.

terça-feira, 20 de abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Voz Moscada

Este é o nome do grupo vocal em que eu cantava. Nasceu como quarteto, virou sexteto e terminou octeto. Fazíamos música a cappella, ou seja, sem qualquer acompanhamento de instrumentos. Ao evocar grandes referências da música vocal lembramos, sempre, de MPB-4, Boca Livre e Os cariocas. Fato é que, apesar dos belos arranjos vocais, os instrumentos estão sempre acompanhando estes grupos. Considero um belíssimo desafio, o de cantar a capella, pois a afinação pode cair com qualquer deslize. A responsabilidade individual de cada voz (são praticamente solistas, os integrantes) aumenta, e muito.

Repertório: muita música brasileira (Dorival Caymmi, Tom Jobim, Adoniran, Pixinguinha etc), mas também negro spirituals, Piazzolla, e música sacra. Impressiona, a quantidade de arranjos interessantes sendo feitos por aí, mas muito pouco cantados. Em encontros de música coral (expressão que não me agrada, pois o desinformado sempre a relaciona à sua imagem estereotipada: cantores de beca cantando o surradíssimo Adeste Fidelis em igrejas – o que não acontece em inúmeros casos), o repertório muitas vezes fica restrito a um pequeno número de canções arranjadas para quatro vozes: entre os hits, Vira Virou e O Cio da Terra. São poucos os regentes dispostos a ousar.

Nossas referências, sempre: Take 6, sexteto norte-americano, os “magos da voz”, na definição de Milton Nascimento, e o BR-6, sexteto carioca com dois CDs gravados, o primeiro pela Biscoito Fino e o segundo com canções de Gershwin e Tom Jobim. Um arraso, ambos.

“Você não sente saudades de cantar?”, me perguntou a Mulher, outro dia.

Saudade não é a melhor palavra: desfrutei intensamente os cinco anos de vida do Voz Moscada. Que teve morte praticamente natural, com uma passagem breve e indolor pela UTI. A lembrança da música que produzimos e levamos a pequenas plateias, sob a batuta pra lá de competente de Giuliana Frozoni, ainda é capaz de me arrepiar.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Diálogos antológicos do cinema e tevê

– “If they don’t respect me, how can they ever love me?”, desabafa quase em prantos (In)Comodus (o César da vez) diante da irmã, logo após ter levado uma prensa dos membros do Senado. No filme Gladiador.

***

– O que você espera de mim?
– Eu só quero que você exista.

(Conversa, pós-bimbada inaugural, entre Luciana e o namorado, em Viver a Vida).

quinta-feira, 15 de abril de 2010

D. R.



(clique sobre a imagem para ampliá-la)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ódio em fermentação e o culto da ignorância

Ônibus intermunicipal, entre Itapecerica e Juquitiba, noite de domingo. Vaga um lugar, sento e começo a ler o jornal. Instantes depois, um rapaz se coloca em pé, ao meu lado. De imediato, liga o som de seu celular/I-pod. As canções, cujo estilo não sei definir, têm um único acorde, o ritmo lembra um rap, e em vários trechos uma só palavra da letra é repetida à exaustão.

Lá vamos nós novamente, penso. E prossigo. Ou melhor, tento. O volume do aparelho, a poucos centímetros de minha orelha, era o equivalente a oito, numa escala até quinze. Primeiro impulso: levantar e empurrar o sujeito com toda a minha energia, esperando ver onde sua cabeça aterrissaria, no ônibus que sacolejava. Me viro rapidamente: seu rosto está parcialmente coberto, só o boné se sobressai. Um mano, mais um. Volto ao jornal. Matéria de certa densidade, exigia concentração. Prossegue o putz-putz, que agora invade os tímpanos, indo direto ao cérebro. Interrompo a leitura e passo a fitar a rodovia, procurando conforto no breu quase total. Segundos depois, tento retomar o artigo. É imediato: o I-pod, que se afastara – sem diminuição do volume –, volta a ser posto ao lado de minha orelha. Olho de relance o casal em pé, que observava a cena, sem esconder certo pasmo. A expressão facial dos dois me dizia: fique na sua, se não quiser acabar no IML, ou virar assunto para a próxima edição do Datena. Uma vez mais, interrompo, e logo recomeço a leitura: continua o movimento de recuo e aproximação do I-pod. Exercício extenuante de autocontrole.

Foi quando entendi o tipo particular de ódio que emanava do rapaz.

Rápida digressão: faço esse trajeto há 15 meses, e foram duas, as vezes em que vi alguém lendo. Duas, e numa delas, era a Bíblia. Naquele banco de ônibus, eu era tido como o intelectual metido e arrogante. Qual é a do bacana, ficar dando uma de sabido aqui nas paradas? Nada tinha de gratuito, a leitura que eu fizera na véspera – Ana Maria Machado, na apresentação de um livro de Veríssimo, cita a seguinte frase, que o episódio do ônibus recuperaria como um sonoro eco: “Você acha que a educação custa muito? Espere só para ver o custo da ignorância...”.

Era quase palpável, o ódio do sujeito às letras. Ou, talvez, ao que se chama, abstratamente, de intelectualidade. Estivesse segurando um livro, no lugar do jornal, teria provocado uma reação ainda mais violenta. Hipótese não tão absurda: o rapaz assistiu a (leu o romance? Claro que não, seria um contrassenso) Fahrenheit 451, de Truffaut, e se identificou com os governantes daquela sociedade. Ou terá ele sido vítima do confisco da poupança, início dos anos 90, pelo presidente poliglota, e ainda não digeriu o ódio?

Vivemos o culto da ignorância, terreno fértil para a manipulação. Culto que faz a delícia dos políticos de ocasião, e proliferar um sem-número de igrejas e de picaretas de toda espécie, em toda parte. Culto que permite ao cidadão engolir passivamente o descaso a seus direitos (sem perceber o que está sendo fermentado dentro de si) e que lhe faz dar graças ao Criador quando o morro que desaba destrói a casa do vizinho e não a dele.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Você sabe que...



mora no interior profundo quando:

1. caminhando distraído de volta para casa, pisa a 15 cm de uma cobra
2. já não mais se impressiona quando a mulher o chama, no meio da noite, pra dar um destino à aranha “enorme” que está no canto do quarto
3. entra na papelaria da cidade e percebe que, no tempo necessário para a atendente escanear uma única página e enviá-la por e-mail, leu três páginas de seu livro
4. pede uma água mineral no boteco e, ao perguntar o preço, ouve: “Sabe que eu não sei quanto custa? Acho que é um real. Vai, dá um real”
5. escuta, do carro com alto falante a 130 decibéis, a convocação dos fiéis para o “ 1º Rebanhão com Jesus”.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cancioneiro (2)

Simplesmente

Quantas vezes eu já fracassei
Quantos bons momentos desprezei
Por pensar demais, por ouvir demais
Por não saber olhar a vida
Simplesmente
Dentro desse louco turbilhão
Cada um querendo ser melhor
É muito melhor se deixar ficar
Em tudo que você sentir
Simplesmente

E logo de manhã
Olhar bem dentro de você
Nas coisas como você vê
Duvidar então
Do que querem fazer você olhar
Fazer você ouvir, fazer você pensar
E, chegando a noite, devagar
Descontrair sua razão
Soltar de leve o coração
Procurar alguém
O seu bem verdadeiro, tão somente
E vai saber, simplesmente
O que é bom pra você

Álbum Simplesmente, de Paulinho Nogueira, de 1974.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

De olho no andaime (*)

Sabe aquele tipo de cartaz que se lê em canteiro de obras, “Estamos trabalhando há ........ dias sem acidentes.”? Pois. É o tipo de mensagem que eu deveria levar ao ar, hoje. Acabo de atingir a espetacular marca de três dias consecutivos com plena conexão de internet e sem qualquer interrupção, com o modem 3G.

Sem dizer que, nesse período: a) a chuva não tem dado trégua; b) a velocidade da conexão tem superado, por vezes, a de uma lanhouse. Você digita um endereço www qualquer, e a página se abre quase de imediato, uma cena formidável. A gana é de chamar a equipe de produção do Fantástico. Bem, de volta ao trampo, antes que passe o efeito do encanto.

(*) O título original, "Rumo ao Guinness", era um tanto sem-graça.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sustus

Gostaria muito de encontrar, qualquer hora, uma dessas pessoas que formulam as questões para programas de quiz na tevê, desses que distribuem prêmios. Para saber mais sobre a gênese de perguntas como a que ouvi outro dia:

Qual o significado da frase Alea jacta est, dita pelo imperador César na Roma Antiga?

a. Até tu, Brutus?
b. A sorte está lançada
c. Alexandre já era

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Assessoria de Imprensa

No "Minha Vida É Minha Cara" (Fashion TV Brasil) desta quinta-feira, às 21h30, a Mulher (para quem chegou agora, terceiro link na lista de blogs aí em cima) e a jornalista Barbara Gancia falarão sobre caninos e felinos.

É a grande oportunidade de Valentina, a felina zen (Zen-Noção) com quem vivemos, de desfrutar seus minutos de fama. Aguente a pose da bicha, depois dessa.

Ciranda para o (ex) governador

O rodoanel que tu me destes
Era pouco e não bastou
E o trânsito na cidade
Parece que continuou

Marginal, Bandeirantes
Vamos todos trafegar
Vamos dar a meia volta,
Duas horas demorar.

Por isso seu José
Faz favor de ir embora.
Liga o ar condicionado
E rode são paulo afora!

(Fonte: Blog Bons Motivos pro Mundo Acabar)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Summerhill (final)

Em Summerhill, a frequência às aulas não é obrigatória. Você decidiu ficar em seu quarto esta manhã (a escola funciona em regime de internato), e ir à tarde para a marcenaria, ou simplesmente brincar no bosque (situado dentro do terreno da própria escola)? Sem problema. Porém, se optou por ir às aulas, não invente de bagunçar o coreto, pois o objetivo ali é claro: estudar e preparar-se para os exames nacionais, sistema ao qual Summerhill se submete, como qualquer outra escola inglesa. Já houve pressão da parte de inspetores do Ministério da Educação nacional, exigindo que a escola se obedecesse a certas imposições do órgão. A principal delas: a obrigatoriedade às aulas. O caso chegou a ir para a Justiça. Com ganho de causa para Summerhill, com a determinação de que o Departamento de Educação ressarcisse os gastos processuais que a escola tivera.
Assembleia semanal, da qual participam professores, funcionários e alunos. Participação também voluntária. Como visitante, sou convidado a assistir a uma delas. Problemas do dia-a-dia, críticas, sugestões de alteração de regras internas, tudo é trazido para a reunião e votado. Cada um dos participantes tem direito a voto, e esse tem o mesmo peso, trate-se de professor, funcionário ou aluno. Tenha este 5 ou 17 anos, não importa. O tom de voz, nas trocas durante a reunião, soa ríspido. É comum o uso de palavrões. Detalhe: estes são usados pelos alunos com naturalidade, sem afetação. O medo das palavras não parece existir em Summerhill. Saio impressionado com a postura de dois adolescentes, que apresentam argumentos contrários aos expostos por um professor: altivos, sem baixar a cabeça. E não se tratava de mero enfrentamento: percebe-se, simplesmente, que naquele ambiente a autoridade e a hierarquia (pelo menos, na modalidade que conhecemos, cá nos trópicos) se diluem.
A participação não-obrigatória nas assembleias tem também um efeito positivo: pode-se, facilmente, cobrar o respeito daqueles que eventualmente entram num clima de oba-oba, com conversas paralelas. Estas são facilmente barradas, com um sonoro “Shhhh!”, sem causar melindres.
O regulamento interno demonstra uma noção clara dos limites da vida em comunidade, e também na sociedade. Passo pelo saguão do prédio principal e ali vejo, afixadas, as regras gerais da escola. Exemplos:
– O uso de palavrões é livre dentro da escola, mas não será permitido fora dela.
– Funcionários ou professores serão multados em 5 libras, se forem pegos em estado de embriaguez.
– É proibido assistir à televisão no horário de aulas.
– Ninguém deverá usar roupas excessivamente sujas fora da escola.
– Somente alunos de, no mínimo, 16 anos podem fumar na cidade.

E muitas mais, relativas a horários, utilização de dependências, direitos e deveres de cada grupo de alunos e outros aspectos da vida comunitária –, são mais de 140. É possível que os visitantes e os repórteres da grande mídia, que retratam Summerhill como um modelo de sociedade anárquica, tenham ignorado (a meu ver, deliberadamente) esse pequeno detalhe: um regulamento interno com tantos itens.
Fim da visita. Vejo, à saída, um quadro em que os alunos penduram suas chaves de armários. Não se vê um chaveiro idêntico ao outro, alguns são desenhados sobre a madeira, outros pintados, um ou outro feito com arame, formatos os mais diversos. (fico sabendo que a marcenaria é um lugar sempre bastante frequentado pelos alunos). Marca da individualidade de cada um deles. Coerentemente, não há uniforme na escola, a criança veste o que bem entender. Mais de 80 anos após sua fundação, Summerhill talvez tenha dado certo e permanecido sólida justamente pelo respeito a princípios básicos, ignorados pela escola tradicional: o respeito à integridade da criança e do adolescente, e sobretudo a crença em sua capacidade de se auto-regular.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Cancioneiro

Esta seção é prima-irmã de "Essa é pra tocar no rádio", que ocupa um cantinho por aqui. A diferença é que nesta destacarei os trechos de canções (ou letras inteiras, quando for o caso) que, além de me alimentar a alma, viraram para mim uma espécie de norte. Para começar, uma pouco conhecida, que deveria ser estampada em outdoors mundo afora.

Por que você faz isso, por quê?
Detesta o patrão no emprego
Sem ver que o patrão sempre esteve em você
E dorme com a esposa por quem já não sente amor
Sera que é medo?
Por que você faz isso com você?


"Você", de Claudio Roberto e Raul Seixas
Álbum O dia em que a terra parou, Raul Seixas, 1977

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Drops linguísticos

1. Mo’Nique (celebridade dos Euá) e Na’vi, a língua dos avatares (disse alguém que estamos no ano do apóstrofe agressivo).
2. “Estes problemas obstaculizam o desenvolvimento do país” (Artigo sobre economia).
3. “... um sistema que atenda aos desbancarizados”... e “há muito a ser feito pela bancarização do Brazil”. (Idem, em referências aos Sem-Banco).
4. “O aluno se prepara para o Enem ou para o vestibular tradicional? Foca na 'decoreba' de textos, fórmulas, livros e apostilas ou investe seu tempo no desenvolvimento das competências e habilidades propostas pelo Enem?” (Artigo no jornal).
5. “... o projeto dos Pontos de Cultura (...) tem como fundamentos principais a autonomia, o protagonismo e o empoderamento”. (Entrevista de um político, em revista mensal).
6. Na boca do povo: Pré-checar e checada (substantivo, assim como xerocada). Também ouvido (grazie, Milene!), no escritório de uma firma: “Você pode dar uma prechecada nesse relatório, pra mim?”

De pouco adianta estrilar: a língua muda. Ao filtro do tempo, a decisão do que será ou não incorporado pelos falantes.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Summerhill

Meu envolvimento com a experiência de Summerhill começou em 1995, quando li Liberdade sem Medo, de A.S. Neill (tradução de Nair Lacerda, Ed. Ibrasa, 30ª ed.,1994), fundador da escola. Lembro claramente que o forte impacto que tive reverberou em minha experiência de pai estreante, o que ocorreria poucos anos depois. Em 2003, durante estadia na Inglaterra, fui visitar a escola. Foi este o embrião do projeto de tradução do livro pelo qual me apaixonei (já fiz referência a ele, cá no blog), e também da croniqueta abaixo, que levo ao ar em duas partes.

***
– Desculpe, mas o final da fila é ali atrás – diz Martin, aluno de 7 anos.
– Mas eu já estava na fila, só saí um instantinho para... – retruca Ian, professor da escola.
– Se saiu da fila, saiu. Tem que entrar novamente.

Cena que se passa no refeitório, envolvendo Ian, professor de matemática e um aluno de Summerhill, em Leiston, leste da Inglaterra. O caso ocorrera dias antes de minha visita à escola, e é relatado por Ian, que nos ciceroneava. Ao relatar o caso, Ian confessa que pensou:
– Naquele momento, um lado dentro de mim me dizia: “Você é adulto e pode fazer valer seu direito, e usar da autoridade”. Mas... resolvi obedecer e aprendi com o episódio. Assim, respeito os alunos, e também posso exigir respeito quando necessário.
Certa manhã de domingo, Jim transgride as regras da lavanderia, ligando as máquinas de lavar e de secar antes do horário permitido naquele dia. É denunciado por uma colega na assembléia e multado – o sistema de multas é prática comum na escola. Exemplos de multas: um ou dois dias sem a sobremesa; meia hora de trabalho em favor da comunidade no dia seguinte; pagar uma pequena quantia, geralmente 50 centavos ou 1 libra para os fundos que a escola mantém, etc.
No mesmo dia em que vou a Summerhill, há um grupo de adolescentes de uma escola pública, também em visita. Enfado e desinteresse estampados em seus rostos. Jane, a professora do grupo, faz a pergunta clássica a Zoë, diretora de Summerhill e filha do fundador da escola, A.S. Neill:

– Você não acha que a não-obrigatoriedade de presença nas aulas pode criar um problema?
Zoë já respondeu milhares de vezes a essa pergunta, mas não perde a calma:
– Se você quer viver numa democracia, não pode dizer ao outro o que ele deve fazer.