segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Neo-Virundum

Dos 23 da seleção de Dunga, 20 atuam (ou esquentam um banco de reservas) fora do Brasil. Se a proporção lhe parece absurda, compare com os ragazzi: da equipe da Internazionale de Milão, que recém-conquistou a Liga dos Campeões da Europa, nenhum jogador é italiano (um time faz jus ao nome, pode-se dizer).

Donde ser tão oportuna, esta nova versão. Sai de campo uma letra parnasiana, em que a terra é mais garrida e o céu, risonho e límpido, para dar lugar nomes muitíssimo familiares – sobretudo para os boleiros. De tabela, elimina-se o constrangimento dos jogadores (você lembra: a câmera dá o close-up de um por um, flagrando quem sabe ou não a letra), nos momentos pré-jogo.

Ao texto, pois.

NEO-HINO NACIONAL (*)

Num Posto da Ipi#ranga, às margens plácidas,
De um Vol#vo heróico Bra#hma retumbante
S#kol da liberdade em Ri#der fulgido
Brilhou no S#hell da Pátria nesse instante
Se o K#norr dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço F#ord
Em teu S#eiko, ó liberdade
Desafio nosso peito à Mi#crosoft
Ó Par#malat, Mas#tercard, S#harp, S#harp
A#mil um sonho intenso, um rádio P#hilips
De amor e Luf#thansa terra desce
In#tel formoso céu risonho Oly#mpicus
A imagem do Bra#desco resplandesce
G#illete pela própria natureza
És belo Es#cort impávido colosso
E o teu futuro espelha essa Gren#dene
Cer#pa gelada!
Entre outras mil és Su#vinil, Com#paq amada.
Do P#hilco deste S#ollo és mãe D#oril
Co#ca Co#la, Bom#bril!


(*) Autoria: Cia. de Teatro Os Melhores do Mundo
(#) Sinal adicionado para evitar situações desagradáveis, como a relatada recentemente por uma colega tradutora, em seu blog. Um dia comento.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Brasileiros e brasileiras!

Você deve se lembrar, assim se dirigia a nós o presidente, aquele dos Marimbondos de Fogo. Deve ter somado pontos entre as fêmeas.

Folheando revistas, noto a existência de uma organização no Haiti, chamada Reagrupación por la Educación para Todos y Todas (REPT).

Tempos de inclusão, esses. A continuar nessa toada, não demorará muito para começar a aparecer, em livros didáticos, afirmações do tipo “O homem e a mulher são seres racionais”. Ditos populares estarão sujeitos à mudança: “O sol nasceu para todos e para todas”.

É a discussão linguística em pauta. Na pauta do que dizer.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Que bicho é esse?



a. Um assum preto
b. O primo-irmão de Edgar, o corvo secador de Xico Sá.
c. Um urubu

A Mulher, sem qualquer auxílio dos universitários ou da galera, fica com a alternativa C. Tamanha é sua certeza que, tão logo o animal deixou a varanda, ela colocou as almofadas para lavar, jogou sal grosso no local e acendeu meia dúzia de incensos. Isso aí dá azar, diz.

Sei não. Repare, na primeira foto, como ele parecia à vontade.

Fato é que ontem a passarada estava numa agitação incomum. A ponto de Valentina ter ido à mata e conseguido um quitute extra. Quando ela entra em casa fazendo um som de ganso misturado ao de tucano, pode apostar: pegou passarinho. E isso rolou uma meia hora antes da visita da ave negra. Estará certa, a Mulher? Algum ornitólogo de plantão?

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Cancioneiro (5)

Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é sombra
De árvores alheias

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios

Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses

Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
A resposta está além dos deuses

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses
Porque não se pensam

“Segue o teu destino”, de Sueli Costa e Ricardo Reis (Fernando Pessoa). Álbum Outro Quilombo, de Renato Braz. Atração Fonográfica, 2002.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O Mago

Biografia de Paulo Coelho, por Fernando Morais (Editora Planeta, 2008). Uma leitura altamente recomendável para muitos da chamada “elite”.

Livro que recomendo vivamente aos pais e professores que, dentro de casa, permitem que seus filhos assistam apenas à programação da TV Cultura, Futura ou de canais educativos. Àqueles para quem a verdadeira música só pode ser apreciada na Sala São Paulo ou na Rádio Cultura FM. Aos cinéfilos para quem, tirante Bergman, Fellini e Kurosawa, muito pouco sobra. Aos que consideram as revistas Bravo, CULT e Piauí as únicas publicações decentes. Aos acadêmicos e leitores para quem Machado, Dostoievski, Shakespeare, Rosa, Pessoa, Cervantes, Lobato e companhia são o único parâmetro para que se possa julgar a literatura de qualidade. Aos que, com “aquela velha opinião formada sobre tudo”, erigiram o mais rígido cânone, ao qual é vedada a entrada de novatos.

O relato mostra, de um lado, o estrago causado pelas ideias fixas e imutáveis (as mesmas que alimentam a intolerância racial, religiosa etc). Do outro, o malogro total na tentativa da mídia e desta elite, de estabelecer uma separação nítida, por meio de resenhas categóricas, entre o bom e o descartável.

“Nosso olhar é viciado”, me disse certa vez um amigo arquiteto. Se, ao deparar com o título desse post, ou com esta biografia, o leitor consegue vencer a resistência que é instantaneamente criada (narizes torcidos, “não li e não gostei” etc), criará a oportunidade de conhecer uma história de vida fascinante.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Santos F.C. e o contágio

Mais um diagnóstico preciso do Doutor Sócrates, desta vez sobre o atual Santos. Resumo de seu argumento: o futebol tem grande importância como agente de coesão social. Ou seja, se o time que está em campo pratica um futebol de força, violento, isso estará refletido na torcida, que agirá de modo semelhante (observando o comportamento da torcida do Grêmio, por exemplo, vejo que isso faz todo sentido). Pergunta ele: por que é que não vemos cenas de violência no estádio, nas partidas do Santos? Porque o jogo deles é alegre, diverte, tem arte.

Mais importante, acrescento: é um futebol que contagia.

Em tempo: a Mulher lançará hoje, em seu blog, um SOS ao seu leitorado. Apelo no qual pego carona. Confiram lá.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Whatever works

São poucos os artistas capazes de desnudar com tamanha sutileza o quanto há de ridículo e presunçoso nos gestos humanos. Woody Allen faz isso com maestria, em Tudo pode dar certo. Um desses raros filmes que me trazem uma sensação de felicidade serena, e de alma saciada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Cancioneiro (4)

“Se na cabeça do homem tem um porão onde mora o instinto e a repressão, diz aí: que é que tem no sótão?”

“Olho de peixe”, de Lenine. Álbum homônimo, de Lenine e Marcos Suzano, Velas, 1993.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Líricas

Embora seja menos frequente, acontece de eu ter de verter textos, do português para o inglês. Chegará o dia em que precisarei me mostrar à altura da poesia do texto abaixo, transpondo seu ritmo e sonoridade inigualáveis para a língua do Bardo. Será um desafio considerável, para o qual vou me preparando lendo os clássicos do gênero.

“Chá Tucano* Maçã tem um ritmo sedutor, é insinuante por natureza. Na forma, no cheiro, no sabor, em tudo ele envolve, chama pra pertinho. A Maçã gosta e não tem medo de atenção. Vive bem com mil olhares em cima (...)”

*A marca é fictícia, mas o texto é verídico.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Espelhos

“Alguns leitores dirão que cito demais e que, com isso, me pavoneio. Um deles já me disse, com todas as letras, que preciso ‘conter a vaidade’. Se muitas vezes, de fato, me perco nas ideias alheias, é porque elas me seduzem e hipnotizam. E é, sobretudo, porque não paro de ler e de permitir, assim, que me invadam. Eu não seria nada sem os escritores que leio. Desde pequeno, quando lia Bandeira nos bancos dos jesuítas e me salvava com seus poemas, que sei disso”. (José Castello, em seu blog, A literatura na poltrona)

Em boa medida, me vejo nesta declaração. E se troco“ler” por “ouvir”, e “escritores que leio” por músicos que ouço”, aí sim, o encaixe fica perfeito.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um roteiro...



(duplo clique para ampliar)

... amplamente conhecido e aceito. Muito raramente questionado, como se não houvesse qualquer alternativa ao estilo bovino de vida.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Bolas fora e dentro

1. É chegado o dia. À maneira dos bispos que liberam a fumaça branca na eleição papal, Dunga anunciará diante dos fiéis adoradores da bola: “Habemus manus (ou manum? Time, em latim, se não digo bobagem)”. A lista dos 23 ungidos. A propósito, por que não 22 ou 24? Número cabalístico?

Do Oiapoque ao Piauí, padocas, botecos e escritórios paralisados, bancos e repartições com atendimento suspenso, todos à procura da tevê mais próxima, uma única pergunta em mente: Ganso e Neymar estão na lista? Logo após o anúncio, numa coletiva, o ex-capitão tentará se esquivar dos tomates por não ter chamado os santistas. Bem, ele já tinha avisado que sua política é a Surpresa Zero.

2. Trechos de comentários de Sócrates, em entrevista a Juca Kfouri. Segue aqui uma transcrição não literal, já que a conversa se deu na tevê.

a. “Maradona já era deus em seu país, e renunciou à divindade, ao aceitar ser técnico da seleção argentina. Ou seja, decidiu retornar à condição de humano, de mortal, sujeito a críticas, a xingamentos, acertando, errando... Isso é simplesmente genial”.
b. “Sabe qual é meu medo, sinceramente? Que essa seleção de Dunga vença a Copa do Mundo”.

Soa estranha, a segunda declaração? Ora, conhecendo minimamente nossos cartolas, estou com o Doutor e não abro.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Revisor para o jornal

São filigranas, mas elas me divertem. Já disse Millôr: “Tudo é erro na vida de um revisor”.

Dia desses, o secretário-geral da Fifa fez cobranças ao Brasil, em relação ao cronograma das obras para a Copa-2014. Segundo ele, o país precisa “se mexer”. Suas palavras, na transcrição do jornal:

“Este ano há eleições, para tudo”.

Não é a primeira vez que o (pigarro) acordo ortográfico apronta das suas. Pois até outro dia mesmo, havia uma distinção entre esta frase e a seguinte:

“Este ano há eleições, pára tudo”.

Quando ouvidas, uma e outra, óbvio que fica claro de qual se trata. Porém, estamos diante de um texto escrito. O acento agudo eliminava possíveis ambigüidades (com trema, só de birra).

Um seleto grupo de doutos, motivados por interesses nebulosos, determinou a extinção do acento diferencial entre “para” (preposição) e “pára” (verbo). Pois bem. Agora, numa tradução como a da frase acima, cria-se a necessidade de gastar o latim explicando intenções que na língua original certamente estão cristalinas.

Eu apostaria (algumas fichas, apenas) na existência, por trás do Acordo (novo pigarro), de uma política federal de criação de empregos para revisores. Parte, quiçá, do PAC-2 – A Missão.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Satie pop

O que Erik Satie teria achado daquilo que fizeram com sua Gymnopedie, no teledrama de Manoel Carlos?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Essa é pra tocar no rádio (6)

Madan. Dabliú Discos, 1997.

Musicar poemas que não foram originalmente concebidos para virar canções, eis a tarefa a que se dedicou Madan. Poetas e autores cuja musicalidade ele explora a fundo, neste álbum: Adélia Prado, Olga Savary, Arnaldo Antunes, José Paulo Paes, Ademir Assunção, Haroldo de Campos, Olga Curado, José Roberto Aguilar, Francisco V. Albuquerque e Frei Betto.

O resultado é primoroso. O casamento entre letra e música raramente deixa transparecer que elas foram criadas de modo independente. Uma combinação adequada requer do músico a percepção da sonoridade do poema, muito mais do que a busca de meros acordes a serem colados aos versos.

Exemplo célebre dessa justaposição meio simplória é o caso de um trecho bíblico que, junto com alguns versos de Camões, foi musicado por um famoso artista pop, por volta dos anos 80. Resultado: uma prosódia que, de tão pouco natural, consiste na verdadeira antítese dos versos de Luiz Tatit: “Tem sílaba que leve oscila e cai como uma luva na canção”.

Pontos altos do disco, que apresenta um intérprete na medida justa: “Passa pra dentro, menina!”, de Olga Curado, a comovente “Anímico”, de Adélia Prado (ambas com cheiro de mato) e “Números”, poema transformado em samba, de José R. Aguilar. Uma única canção me parece destoar do conjunto, mas não pretendo bancar o estraga-prazeres.

P.S. Texto terminado, dou uma espiada no encarte. Não resisto e transcrevo a apresentação de Ademir Assunção: “Madan tem um incrível talento para transformar poemas em canções. As palavras fluem fáceis, nada forçado. Com sua sensibilidade especial, consegue descobrir a sonoridade e o ritmo dos versos, vestindo-os com melodias ora doces, ora melancólicas. Som, palavra e voz se harmonizam neste CD repleto de belezas Um presente para ouvidos sensíveis”.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A falta que faz um revisor

De textos publicados sem revisão, vemos exemplos à mancheia, em toda parte. Muitas vezes, não há grande prejuízo para o leitor; fica apenas a impressão de desleixo. Noutras, porém, trata-se do limite entre o sucesso e o malogro. É o caso do spam que chegou à minha caixa postal. Suposta mensagem do banco onde sou correntista, dizendo que minha senha-pin precisaria ser renovada em dois dias. Caso contrário, a conta seria cancelada.

Coisa curiosa: o sujeito é um gêniozinho em micros, um hacker de primeira, que clona perfeitamente a página do site do banco. Porém, decide redigir. Daí resulta um texto apocalíptico que envia aos clientes, no qual pisoteia a gramática. E sequer se dá o trabalho de pedir a um comparsa que releia o que escreveu.

Pensando bem, considerando a alta taxa de analfabetismo funcional em nossa terra (os que decifram as letras, mas não compreendem o que leem), isso não é de causar espanto. Tem sempre um que cai no golpe.

Como já li em redação de aluno (e não foi caso isolado): “no que desrespeito à gramática...”, em vez de “diz respeito...”. Um erro nada ocasional.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Bernard Shaw ilustrado (*)


(*) Referência ao post de 25 de março

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Just do it

Se tem uma coisa em que os ingleses são realmente bons, é na criação de eufemismos. Se, por exemplo, o proprietário de nosso ninho quisesse colocar a casa à venda, colocaria no anúncio:

“The ideal house for a DIY (*) enthusiast”.

(*) Do It Yourself