quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dois livros

Confesso que sempre vi um quê de afetação no comentário: “Não conseguia parar de ler esse livro, varei a noite”, coisa e tal. Até que aconteceu comigo, nos últimos dias. E em dose dupla.

Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, de Ana Paula Maia (Record). Mais de uma vez ouvi dizer que aquilo é Tarantino no papel. Ignorei, assim como não leio resenha antes de ir ao cinema. Em duas novelas, o retrato de subempregos que, aos olhos da classe média/alta, pertencem unicamente ao universo da escória. Relatos que trazem um enorme incômodo ao leitor, que se vê constantemente espelhado ali. Mas a crueza da violência das duas histórias incomoda menos que a exposição, a cada cena, da miséria que nos cerca e invade. Miséria não só material, mas também moral. Fazia um bom tempo que eu não era tomado por essa mistura de reações. Riso, indignação, empatia, tudo junto.

Amanhã, numa boa, de Faïza Guène (tradução de Luciana Persice Nogueira, Nova Fronteira). Doria, de 15 anos, mora com a mãe num subúrbio parisiense. Seu pai abandonara a família, voltando para sua terra natal, o Marrocos. Em tom cáustico, narra suas conversas com a psicóloga, com a assistente social, a relação com o amigo traficante que acaba preso. Vêm à tona os problemas de integração na sociedade francesa. Permeando toda a narrativa, a inconformidade de Doria com a hipocrisia e artificialidade nas relações sociais. Rebeldia que é também expressada na linguagem, que não poupa ninguém. Talvez nos perguntemos onde estão os adolescentes indignados e revoltados, ao nosso redor. Se estão, não demonstram. Ou então represam estes sentimentos até o dia em que surge uma Geisy, lhes dando de bandeja os melhores pretextos para extravasar o ódio.

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