terça-feira, 6 de abril de 2010

Summerhill (final)

Em Summerhill, a frequência às aulas não é obrigatória. Você decidiu ficar em seu quarto esta manhã (a escola funciona em regime de internato), e ir à tarde para a marcenaria, ou simplesmente brincar no bosque (situado dentro do terreno da própria escola)? Sem problema. Porém, se optou por ir às aulas, não invente de bagunçar o coreto, pois o objetivo ali é claro: estudar e preparar-se para os exames nacionais, sistema ao qual Summerhill se submete, como qualquer outra escola inglesa. Já houve pressão da parte de inspetores do Ministério da Educação nacional, exigindo que a escola se obedecesse a certas imposições do órgão. A principal delas: a obrigatoriedade às aulas. O caso chegou a ir para a Justiça. Com ganho de causa para Summerhill, com a determinação de que o Departamento de Educação ressarcisse os gastos processuais que a escola tivera.
Assembleia semanal, da qual participam professores, funcionários e alunos. Participação também voluntária. Como visitante, sou convidado a assistir a uma delas. Problemas do dia-a-dia, críticas, sugestões de alteração de regras internas, tudo é trazido para a reunião e votado. Cada um dos participantes tem direito a voto, e esse tem o mesmo peso, trate-se de professor, funcionário ou aluno. Tenha este 5 ou 17 anos, não importa. O tom de voz, nas trocas durante a reunião, soa ríspido. É comum o uso de palavrões. Detalhe: estes são usados pelos alunos com naturalidade, sem afetação. O medo das palavras não parece existir em Summerhill. Saio impressionado com a postura de dois adolescentes, que apresentam argumentos contrários aos expostos por um professor: altivos, sem baixar a cabeça. E não se tratava de mero enfrentamento: percebe-se, simplesmente, que naquele ambiente a autoridade e a hierarquia (pelo menos, na modalidade que conhecemos, cá nos trópicos) se diluem.
A participação não-obrigatória nas assembleias tem também um efeito positivo: pode-se, facilmente, cobrar o respeito daqueles que eventualmente entram num clima de oba-oba, com conversas paralelas. Estas são facilmente barradas, com um sonoro “Shhhh!”, sem causar melindres.
O regulamento interno demonstra uma noção clara dos limites da vida em comunidade, e também na sociedade. Passo pelo saguão do prédio principal e ali vejo, afixadas, as regras gerais da escola. Exemplos:
– O uso de palavrões é livre dentro da escola, mas não será permitido fora dela.
– Funcionários ou professores serão multados em 5 libras, se forem pegos em estado de embriaguez.
– É proibido assistir à televisão no horário de aulas.
– Ninguém deverá usar roupas excessivamente sujas fora da escola.
– Somente alunos de, no mínimo, 16 anos podem fumar na cidade.

E muitas mais, relativas a horários, utilização de dependências, direitos e deveres de cada grupo de alunos e outros aspectos da vida comunitária –, são mais de 140. É possível que os visitantes e os repórteres da grande mídia, que retratam Summerhill como um modelo de sociedade anárquica, tenham ignorado (a meu ver, deliberadamente) esse pequeno detalhe: um regulamento interno com tantos itens.
Fim da visita. Vejo, à saída, um quadro em que os alunos penduram suas chaves de armários. Não se vê um chaveiro idêntico ao outro, alguns são desenhados sobre a madeira, outros pintados, um ou outro feito com arame, formatos os mais diversos. (fico sabendo que a marcenaria é um lugar sempre bastante frequentado pelos alunos). Marca da individualidade de cada um deles. Coerentemente, não há uniforme na escola, a criança veste o que bem entender. Mais de 80 anos após sua fundação, Summerhill talvez tenha dado certo e permanecido sólida justamente pelo respeito a princípios básicos, ignorados pela escola tradicional: o respeito à integridade da criança e do adolescente, e sobretudo a crença em sua capacidade de se auto-regular.

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