quarta-feira, 28 de abril de 2010

Memórias de Mogli


Eu me preparava para virar escoteiro; aí, sim, mostraria do que era capaz: fazer fogueira com apenas dois fósforos (álcool ou artifícios do gênero eram sinal de heresia), montar uma barraca em dois tempos, enfrentar os perigos da mata, pegar javalis à unha.

Até então, eu não passava de lobinho. E o que fazia um lobinho? Nada muito além de desfilar pelas ruas da cidade, todo pimpão, em datas cívicas, metido naquele uniforme todo azul. E observar, salivando, os feitos dos escoteiros.

Mas o bom mesmo era quando começava a cantoria. No trem rumo a Pirassununga, nos acampamentos, em toda parte. Exemplos (disponíveis na internet; saborosa dica de site do mano Tarcísio):

1. “Da Noruega distante, veio esta canção, cante o cuco uma vez, preste bem atenção. Tiriaoia, tiriaoia, cuco! Oia, tiriaoia, cuco.
Da Noruega distante, continua a canção, cante o cuco duas vezes, preste bem atenção. Tiriaoia, tiriaoia, cuco! Oia, tiriaoia, cuco, cuco!” [E assim por diante, até dez toques do cuco, ou até esgotar o saco de algum ouvinte ao lado. O que ocorresse primeiro. A propósito... Noruega? Ué, não devia ser Suíça?].

2. “A árvore da montanha, e-e-i-a-ô, e a árvore da montanha, e-e-i-a-ô
Essa árvore tinha um galho, oi que lindo e belo galho, ai ai ai que amor de galho. O galho da árvore”.
[Daí prosseguia: o galho tinha um ninho, que tinha um ovo etc, até voltar, de modo circular, à árvore. Total de uns dez minutos, primeiras experiências com travalínguas].

3. “Pela batalha, del calientamento, para querer la carga del ginete. El ginete, la carga, una mano ( Bate-se uma mão na coxa enquanto canta).Pela batalha, del calientamento, para querer la carga del ginete. El ginete, la carga, una mano, duas manos (Bate-se, cada um a seu turno: um pé, dois pés, a cabeça, até atirar o corpo)”.

No caso desta última, cantada em ritmo marcial, não compreendia lhufas da letra, composta em impecável portunhol. E quem disse que era necessário? Num ritual semanal, uns 15 marmanjos e outras 10 crianças formavam um círculo, cantando e esperneando. Parecia que os espíritos estavam baixando no grupo. Frenesi total. Era, disparado, meu momento predileto.

“Sempre alerta!”: a saudação (com três dedos esticados rente à têmpora) ainda faria parte de minha rotina. Mas só quando deixasse a alcateia.

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