quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Língua, poder e autoimagem

Estado de S.Paulo – A obra de Freud é marcada por sua didática, sua clareza. E esse não me parece ser o caso dos pensadores da psicanálise contemporânea. De onde vem esse problema de comunicação?

Elizabeth Roudinesco – Esse problema é enorme. Os psicanalistas escrevem em clichês. (...) Freud era um autor claro, o que influenciou todo o movimento psicanalítico. Hoje, quando leio psicanalistas freudianos norte-americanos ou ingleses, fico impressionada com a quantidade de clichês que eles usam. Quando os intelectuais se fecham em torno de si mesmos, eles falam a linguagem de uma tribo. No interior, a tribo se compreende. (...) Às vezes, os antropólogos e sociólogos que queriam se divertir perguntavam se eu, como psicanalista, não me sentia como o antropólogo que chega à Melanésia e deve decifrar a linguagem da tribo.


Volto ao tema da falta de clareza nos textos. A afirmação de Roudinesco vem a calhar. São inúmeras as situações em que o texto acadêmico é indecifrável. Aparentemente escrito para ser lido pelos membros da tribo. Pode se tratar de uma simples confusão mental, mas essa obscuridade parece revelar algo mais grave: o desejo de poder.

O diabo é que esta obscuridade não é privilégio da academia. Ela afeta grande parte dos contratos (redigidos em juridiquês), o discurso dos economistas, as incontáveis consultas em que os termos usados pelo médico deixam o paciente boiando, as bulas de remédio. Uma linguagem que, ao delimitar terreno – os termos empregados não serão compreendidos por todos – colabora com a exclusão. A marginalização, que já ocorre no plano econômico, mostra-se presente no uso cotidiano da língua – um tema brilhantemente analisado por Marcos Bagno, no livro Dramática da língua portuguesa – Tradição gramatical, mídia e exclusão social (Ed. Loyola).

Ao deparar com textos que carecem de clareza, me ronda a dúvida: de onde vem essa busca (inconsciente?) de poder, essa necessidade constante de apresentar uma falsa imagem?

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