sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Notas de um revisor (2)

Um aspecto bastante interessante desta profissão é observar o modo como o autor reage às correções apontadas. Em alguns casos, o melindre vem à tona. Como se o amor-próprio do sujeito tivesse levado um golpe. Durante meses, fiz frilas numa revista de grande circulação. Minhas perguntas e sugestões de correção eram tidas como uma quase-afronta por um assistente do editor. Aquelas eram respondidas como se ele me estivesse fazendo um enorme favor; estas acabavam sendo quase sempre acatadas (não raramente com um muxoxo): a equipe era formada por três revisores, e nossa sugestão de correção só chegava a ele depois de um bate-bola entre os três, em busca de um consenso.

Trabalhar como revisor produz um, digamos, efeito colateral: não consigo ler mais uma linha sequer, esteja ela em jornal, em livro, encarte de CD ou embalagem de produto sem que, quase inconscientemente, o pente-fino seja passado pelo texto. E o que ocorre? Claro, os erros pululam. Parecem brilhar com luz néon.

Permanecem, também, alguns mistérios: por que é que problemas de revisão continuam a surgir em toda parte (ouço tão raramente queixas a esse respeito, me pergunto se alguém mais se incomoda com isso)? A figura do revisor já é supérflua em redações de jornais (a julgar pela seção “Comunicar erros”, na qual o leitor do jornal na versão online pode “interagir” com a redação, lhes dando uma mãozinha, sim. Isso ocorre no principal jornal do país; nos demais, melhor nem imaginar)? No caso de uma tradução, espera-se que o próprio tradutor apare todas as arestas? Julgam, quiçá, que um estagiário de 3º ano de Letras consegue dar conta do recado – nesse caso, remuneração adequada para quê?

Pensei nestas e noutras questões ao deparar, tempos atrás, com Futebol ao sol e à sombra, belíssimo livro de Eduardo Galeano, edição de bolso. Nele, uma média de dois a três erros por página. Espio na página 3, e noto que quatro pessoas assinaram a revisão. Estarrecido, escrevi um email ao editor. Sua resposta, acompanhada de um pedido de desculpas: oferecemos o reembolso da quantia paga. Não queria o dinheiro de volta, queria apenas ser respeitado como leitor.

Talvez fosse – e ainda seja – pedir demais.

Um comentário:

Unknown disse...

fiquei satisfeita de saber que existe mais um no bloco (mirrado) dos descontentes...