quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Notas de um revisor

Ao fazer o curso de Letras, esta era provavelmente a última possibilidade que me passava pela cabeça: tornar-me revisor de textos. Ironia, pois, dentre os trabalhos que faço, é um dos que mais curto. Parece haver uma espécie de fetiche, nisso: o prazer de escarafunchar o texto alheio, para poder arredondá-lo. Além de cuidar do essencial – ortografia, pontuação, concordância e regência –, dar pitacos sobre o estilo, o registro (expressões coloquiais usadas em contexto mais formal, por exemplo), a presença de clichês (dia desses, uma matéria de revista falava da violência em SP. No parágrafo seguinte, a autora mudou o foco, e começou a falar do Rio de Janeiro. Adivinhe com que expressão ela se referiu à cidade. Sim, essa mesma que você pensou), as redundâncias (tem sempre alguém que “encara um problema de frente”, ou uma cena em que “chove lá fora”).

Dito isso, o que vier, eu traço, então?

Em termos. Há uma distinção nítida entre: 1) os textos “ideais” e 2) os sapos do ofício. Os primeiros fluem, são redigidos com certa clareza, necessitando apenas de pequenas adequações aqui e acolá. Seus autores sabem onde querem chegar com sua argumentação. No segundo tipo, exige-se do revisor quase um trabalho de telepatia: “O que é que o cidadão quis dizer com esta frase?”. Aqui, são comuns as frases truncadas, a sintaxe que foi claramente emprestada de outra língua, expressões idiomáticas com tradução literal, ideias que não mostram a que vieram dentro do texto. Particularmente penoso, porém, é o fato de surgir com grande frequência, neste tipo de textos, um estilo empolado, com palavras pretensamente eruditas, mas que pouquíssimo acrescentam ao sentido geral. É o chamado texto-gelo-seco (lembro de um show de MPB a que assisti, de qualidade musical mediana, surpresa zero do ponto de vista musical; nele, a fumaceira tomava conta do espaço). Tampouco é incomum o texto-enceradeira: anódino na sua essência, mas ainda assim o autor, com certo malabarismo verbal, consegue criar a expectativa de que aquilo vai desembocar em algum lugar; nele, a argumentação dá voltas e mais voltas, e se você estiver lendo com atenção, ficará agoniado, a perguntar: “Ok, entendi. Mas e daí? E depois?”.

É óbvio que nem sempre dá para escolher o tipo de texto, numa oferta de trabalho de revisão. Se surge um do tipo 2, a solução (a menos que se trate de emprego fixo em editora) que serve de paliativo é cobrar pelo trabalho de reescrita, levar em conta o tempo gasto nesse processo. Claro que tal postura é recebida com indignação, pois o trabalho intelectual em nosso país, em geral, não é valorizado. Percebo que, cada vez mais, têm caído em minhas mãos textos do tipo 1. Mas leva tempo para isso acontecer.

(continua)

3 comentários:

Unknown disse...

você faz ou já fez revisão de tradução também? assim do inglês para o português, por exemplo?

Luis G. disse...

Sim. E, nesse tipo de trabalho, história cabeluda é o que não falta.

Unknown disse...

tenho uma coleção delas...