Namoravam há pouco mais de um ano. Um relacionamento tranquilo, mas morninho. Da boca dele, jamais saíram coisas como “Eu te amo”, pois entre a entrega sincera e o palavrório, ficava com a primeira. Tudo corre sereno até que certo dia, numa feira de livros, ele depara com um título meio bizarro. Folheia, hesita, mas decide levar. Toma um baque: é fisgado na hora. Email para a autora, no qual derrama elogios. Resposta. Começa a escarafunchar a obra dela. Segue-se uma troca de emails, que culminaria, dali a um mês, num encontro decisivo.
Pouco tempo depois, andando pela rua, lhe vem à mente, do nada, uma canção. Faixa de um cedê em que tropeçara numa loja em Berlim. Começa a cantarolar – geralmente leva um tempo para que ele se dê conta da letra (ficam em primeiro plano, sempre, a melodia, a harmonia, o arranjo). A música insistia em se infiltrar em sua trilha sonora mental, nos dias seguintes. Dizia assim:
Você não pode me condenar
Nem tem motivos pra estar triste assim
Tudo que eu fiz foi não querer perpetuar
Um sentimento que morria em mim
A paixão não pode esperar
Vive no tempo da flor, fugaz
Aproveitou a distração pra se instalar
E apunhalou o nosso amor por trás
Corta. Duas semanas mais tarde.
Espera a namorada para um jantar. Minutos antes da chegada dela, ele tem um ímpeto irresistível de ouvir o disco de Itamar Assumpção & Naná Vasconcelos. “Itamar, a essa hora? Não tem nada de romântico, nisso!”, queixa-se o seu lado racional. Mas, tratando-se de música, não costuma ignorar a própria intuição.
Soa a campainha. Dali a pouco, enquanto ela prepara os petiscos para acompanhar o vinho, começa a tocar:
Meu amor por você chegou ao fim, é tudo que tenho a dizer
Também não precisa sair assim, espere o dia amanhecer
Tem mais de três minutos, a canção, mas a letra se resume a esses versos. Ou seja, Itamar repete-os várias vezes. Instintivamente, ele aumenta o volume. Faz questão de ficar quieto. Ela parece não ouvir. Fim. Ela puxa papo, fazendo-o abaixar o volume. Não sacou.
Dois dias depois, ao telefone, diante da surpresa dela com seu tom de voz quase monocórdico, ele diz: “Bom, eu estive pensando...”. É a deixa: a ficha cai. Não só a ficha, mas o fichário inteiro.
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