quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Crônica de um desmanche anunciado

Namoravam há pouco mais de um ano. Um relacionamento tranquilo, mas morninho. Da boca dele, jamais saíram coisas como “Eu te amo”, pois entre a entrega sincera e o palavrório, ficava com a primeira. Tudo corre sereno até que certo dia, numa feira de livros, ele depara com um título meio bizarro. Folheia, hesita, mas decide levar. Toma um baque: é fisgado na hora. Email para a autora, no qual derrama elogios. Resposta. Começa a escarafunchar a obra dela. Segue-se uma troca de emails, que culminaria, dali a um mês, num encontro decisivo.

Pouco tempo depois, andando pela rua, lhe vem à mente, do nada, uma canção. Faixa de um cedê em que tropeçara numa loja em Berlim. Começa a cantarolar – geralmente leva um tempo para que ele se dê conta da letra (ficam em primeiro plano, sempre, a melodia, a harmonia, o arranjo). A música insistia em se infiltrar em sua trilha sonora mental, nos dias seguintes. Dizia assim:

Você não pode me condenar
Nem tem motivos pra estar triste assim
Tudo que eu fiz foi não querer perpetuar
Um sentimento que morria em mim

A paixão não pode esperar
Vive no tempo da flor, fugaz
Aproveitou a distração pra se instalar
E apunhalou o nosso amor por trás


Corta. Duas semanas mais tarde.

Espera a namorada para um jantar. Minutos antes da chegada dela, ele tem um ímpeto irresistível de ouvir o disco de Itamar Assumpção & Naná Vasconcelos. “Itamar, a essa hora? Não tem nada de romântico, nisso!”, queixa-se o seu lado racional. Mas, tratando-se de música, não costuma ignorar a própria intuição.
Soa a campainha. Dali a pouco, enquanto ela prepara os petiscos para acompanhar o vinho, começa a tocar:

Meu amor por você chegou ao fim, é tudo que tenho a dizer
Também não precisa sair assim, espere o dia amanhecer


Tem mais de três minutos, a canção, mas a letra se resume a esses versos. Ou seja, Itamar repete-os várias vezes. Instintivamente, ele aumenta o volume. Faz questão de ficar quieto. Ela parece não ouvir. Fim. Ela puxa papo, fazendo-o abaixar o volume. Não sacou.

Dois dias depois, ao telefone, diante da surpresa dela com seu tom de voz quase monocórdico, ele diz: “Bom, eu estive pensando...”. É a deixa: a ficha cai. Não só a ficha, mas o fichário inteiro.

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