quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Summerhill, por Matthew Appleton (final)

A polidez natural

As maneiras compulsivas não são mais atraentes do que o xingamento compulsivo, e não entendo por que os adultos têm tamanho prazer em incutir um comportamento tão antinatural e rigoroso em seus filhos. É como se a criança tivesse nascido naturalmente degenerada e precisasse ser salva de sua própria natureza. De um lado, o uso de palavrões é considerado ruim, e assume-se que a criança que não for adequadamente treinada recairá nessa “maldade”. De outro, ter maneiras é considerado bom, mas não se supõe que a criança será naturalmente “bondosa”. A bondade tem de ser inculcada, a criança deve ser educada para ser boa. É a noção inconsciente do pecado original que ainda reside em nossas atitudes em relação às crianças.

As crianças são instruídas a dizer “por favor” e “obrigado” como um papagaio é ensinado a dizer “olá” e “fulano é um menino bonzinho”. Tem tão pouco significado num caso quanto no outro. Se eu dou algo a uma criança, aprecio o deleite espontâneo dela, uma resposta verdadeira que significa um prazer para nós dois. Ambos nos absorvemos na troca. Esse sentimento é interrompido e incomodado quando alguém se intromete e pede à criança para dizer “obrigado”. Ela repentinamente sente que fez algo de errado, que não respondeu corretamente. O prazer se transforma em desconforto e o sorriso verdadeiro é substituído por um falso, no instante em que ela pronuncia as palavras obrigatórias. Isso termina em um instante, mas estragou algo real e significativo que fluía entre nós dois.

Nenhum dano é causado quando se ensina às crianças que “por favor” e “obrigado” são respostas normais no meio social. Seria estranho não familiarizar as crianças com a cultura local à qual elas pertencem. Mas elas deveriam ter a liberdade de adotar tais respostas em seu próprio tempo, e não deveríamos fazê-las se sentir culpadas se esquecem de dizer essas palavras.

Não tenho a expectativa de receber gratidão em troca de algo que dei ou fiz por elas, a menos que isso surja de maneira espontânea. A expectativa de gratidão se baseia na premissa de que as crianças estão em débito conosco. Se não conseguimos dar livremente a elas, essa falha é nossa, não delas. Sentir-se constantemente em débito é sentir-se inferior. A prostituta é condenada ao ostracismo por estipular um preço para o amor; contudo, quando o amor dos pais carrega consigo um preço — e um preço que é bem maior do que aquele — ninguém desaprova. Um pai pode dizer quantas vezes quiser para uma criança “Eu te amo”, mas enquanto esse amor tiver de ser conquistado através de pequenas insinceridades e demonstrações de gratidão, a criança não se sentirá verdadeiramente amada pelo que é.

Não tentamos estimular boas maneiras em Summerhill, e entretanto nossas crianças maiores estão entre as pessoas mais polidas que conheço. Quando digo isso, não quero dizer polidez no sentido formal — por favor, obrigado, com licença (embora elas certamente possam começar a usar tais expressões quando quiserem). Elas são polidas de uma forma genuinamente cortês e interessada, com maior profundidade. Minha companheira, Gunn, que é norueguesa, acha meus modos ingleses um tanto quanto exagerados às vezes. Ela fica irritada com o número de vezes que digo “obrigado” quando vamos fazer compras. Mas isso nada tem a ver com verdadeiras boas maneiras. Trata-se somente de etiqueta social, que varia de país para país. As verdadeiras boas maneiras consistem em ser consciente em relação a outras pessoas e corresponder aos sentimentos delas, e não em frases repetidas como que por papagaios. Aquelas requerem um ativo estado de alerta emocional, estas são somente escombros sociais.

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