terça-feira, 13 de julho de 2010

A arte de entrevistar

Há alguns anos, um escritor, não lembro mais quem foi, disse num artigo de jornal, que entrevistas revelam uma profunda preguiça jornalística. Infelizmente, esta lembrança me é recorrente. Sobretudo pela constatação, tantas vezes presente, de que o repórter não se preparou para o trabalho. Catou uma informação aqui, outra acolá, juntou tudo, e lá foi. Surpresa zero na formulação das perguntas, obrigando o entrevistado a disfarçar o tédio. Não é mero acaso que alguns artistas se recusem a dar entrevistas.

A melhor antítese destas pseudo-entrevistas está num livro de Rosa Montero, que deveria ser parte compulsória dos cursos de Jornalismo e de Letras: Muitas coisas que perguntei e algumas que disse (tradução de Newton Andrade e Ana Lima Cecilio, Cubzac, 2007). Nele, além de crônicas e algumas poucas reportagens, ela apresenta treze entrevistas feitas para o El País, ao longo de vários anos. Entre outros, conversa com Harrison Ford, Paul McCartney, Lou Reed, Mario Vargas Llosa, Prince, Margaret Thatcher e Martin Amis.

As conversas são intercaladas com impressões da autora, compondo um perfil de seu interlocutor. A empatia dela pelo entrevistado, bem como as dificuldades enfrentadas ao longo da conversa, para fugir do óbvio são ali expostas, criando uma enorme proximidade com o leitor, transmitindo a ele uma sensação de autenticidade. Mais importante que isso: a forte sensação de que ali, diferentemente de inúmeros entrevistadores por aí afora, está alguém extremamente atento para que o ego não se sobreponha. Alerta para que a conversa não se transforme, em momento algum, numa exibição oca de erudição. Atento para se dedicar inteiramente à escuta (esta, a verdadeira arte).

Assim, termino, por exemplo, a leitura da conversa entre ela e o escritor espanhol Javier Marías absolutamente encantado e doido de curiosidade em ler um livro seu. Isso sem jamais ter tido a mínima referência a seu respeito. Com o depoimento de Harrison Ford, a gana de explorar tudo o que fez além da série Indiana Jones. Com o de Prince, a vontade de escutar atentamente um de seus álbuns. Em relação a vários dos entrevistados (sobretudo James Lovelock, cientista inglês), o sentimento de emulação, na acepção mais generosa da palavra.

Já disse outro dia, mas repito: Rosa Montero é uma autora imprescindível.

PS: Não há o crédito ao revisor, como é de praxe. O que passaria desapercebido, caso alguns erros ao longo do texto não estivessem tão visíveis. Um sinal lamentável de desleixo, sobretudo num livro como esse.

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