quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Capitulei (*)


Tem algo de magnético no teledrama de Silvio de Abreu, que me leva a admitir – sim, pela primeira vez desde Aritana, na finada TV Tupi, estou acompanhando a novela. Uma série de ingredientes. A eles, pois.

1. A altíssima concentração de canalhas e pilantras de toda sorte, por metro quadrado. Quanto maior a vilania, maior é o poder de atração de qualquer história.

2. Meus antepassados vêm da Bota. Fico ligado, portanto, no neo-italiano falado pelos personagens. Uma língua híbrida, que não existe nem na Toscana, nem na Mooca, nem na Festa de Aquiropita. Repare que as falas saem com interpretação consecutiva, tipo: “Sonno tuo padre! Sou teu pai!”, as frases sendo encaixadas em sequência.

3. Alguns temas dão pano pra manga: o adultério (motivado ou não pelo tédio no casamento), a exploração sexual das adolescentes, o uso de drogas. Nada brilhantemente discutido – seria esperar demais da tevê –, mas estão lá, e isso já tem o mérito de fazer com que se pense e fale a respeito.

4. Certas falas, sobretudo de personagens femininas, causam um espanto inicial: como pode a autoestima de alguém estar num poço assim fundo? A chantagem emocional, por sua vez, é onipresente. Mas o que soa caricato logo ganha ares de verossimilhança, já que por perto há sempre uma pessoa disposta a assumir o papel de vítima, a manipular, a propor jogos. Às vezes, a encontramos no espelho mais próximo.

5. Uma comparação interessante. Terminei, há pouco, a leitura de Núpcias de Fogo, de Suzana Flag (Cia. das Letras). Este é o pseudônimo usado por Nelson Rodrigues neste folhetim originalmente publicado no jornal em 1948. Como se sabe, o folhetim é o pai da radionovela, e avô da telenovela. Nelson dominava a arte de alimentar o suspense, no final de cada capítulo, o que Silvio de Abreu faz com eficiência. Tal qual em Passione, o fato de os personagens trabalharem, estudarem, ou terem uma atividade qualquer, é completamente secundário. Tudo o que interessa é quem fica com quem, quem perde quem. Curiosa sinc: a vilã em Núpcias, uma solteirona frustrada, tem o nome de... Clara.

Ah, faltou dizer. Àqueles para quem esse post pode me deixar “mal na fita”, respondo com Nelson Rodrigues: “Só os idiotas têm medo do ridículo”.

(*) Título com leitura alternativa: Capitu, lei, já que “lei” é “ela” em italiano. Um toque machadiano numa história recheada de casos de traição.

Nenhum comentário: